Próxima parada, Itajaí

Grande desafio: veleiros classe Imoca iniciam na África do Sul a mais longa jornada da The Ocean Race, rumo ao Brasil via Oceanos Índico e Pacífico. Na foto, os competidores Team Malizia e 11th Hour Racing Team. Foto: © Sailing Energy - The Ocean Race

The Ocean Race

Santa Catarina na espera

Por Roberto Negraes

Circum-navegadores iniciam a mais longa etapa da história da Ocean Race, rumo ao Brasil

Nada menos do que teóricas 12.750 milhas náuticas (23.613 km) deverá ser a extensão da terceira etapa desta edição da The Ocean Race, que será a mais longa nos 50 anos e 14 edições desde o início desta tradicional regata de volta ao mundo, denominada inicialmente Whitbread. O destino desta perna é um porto brasileiro: Itajaí, em Santa Catarina.

A largada, ao meio-dia na Cidade do Cabo (África do Sul), no domingo, dia 26 de fevereiro, foi a mais emocionante para amigos e familiares dos tripulantes dos cinco veleiros classe Imoca participantes da regata, que têm à frente os Mares do Sul, percorrendo os três oceanos pelos extremos meridionais dos continentes. Uma perna extremamente difícil e perigosa, que deve durar mais de um mês.

A largada, com a Table Mountain ao fundo barrando o vento. Ponto de largada foi alterado devido à presença de baleias no local original. Foto: © Sailing Energy - The Ocean Race

A corrida começou com duas voltas e meia em um percurso costeiro para o público assistir ao longo da costa, antes de os veleiros rumarem para o Oceano Antártico.

Quando o tiro de partida disparou, o barco mais próximo da largada — que, devido à presença de baleias nas proximidades do local original, fora afastada para uma área com pouco vento — era o francês Biotherm, pouco mais de cem metros à frente dos demais, que logo encontrou rajadas de vento de 25 nós (46,3 km/h) e disparou numa liderança de quase 600 metros, antes que o restante da fotilha também pegasse o vento de 25 nós e acelerasse até velocidades de 30 nós (55,5 km/h) ou mais.

A equipe do alemão Team Malizia cruzou a linha de partida em segundo lugar, seguida pelo europeu Guyot environnement, o estadunidense 11th Hour Racing Team e o suíço Holcim-PRB, nesta ordem.

Biotherm, de volta ao porto para reparos depois de ter liderado a largada. Foto: © Sailing Energy - The Ocean Race

No entanto, em meio à alternância entre ventos fraquíssimos e fortes, a liderança também mudou, com Biotherm caindo para último lugar. Até que, com os barcos com velas rizadas, tentando manter suas posições sob ventos fortes, o Biotherm teve de retornar ao porto para fazer reparos. "Quebramos a escota em uma das extremidades da vela principal", contou o skipper Paul Meilhat no píer.

Em seguida, foi o 11th Hour Racing Team quem teve de suspender a regata, com danos em uma tala. A equipe optou por fazer o reparo no mar. Enquanto isso, o Team Malizia foi o primeiro a alcançar o vento para começar a perna 3, junto com o Team Holcim-PRB e o Guyot envinnement - Team Europe. A perna 3 mostrou-se desafiadora desde as primeiras horas.

As expectativas das equipes

Guyot environnement - Team Europe e Holcin - PRB. Foto: © Sailing Energy - The Ocean Race

Veterano do evento, o skipper do 11th Hour Racing Team, Charlie Enright, comentou antes do início da terceira etapa: “Quando o percurso desta regata foi anunciado, todos viram rapidamente esta perna como o grande desafio. Você sabe, vai demorar entre 30 e 40 dias”.

Além do frio e da ameaça dos icebergs monitorados pelos radares, durante a passagem pelo Oceano Antártico desde o Cabo da Boa Esperança até contornar o Cabo Horn, os veleiros estarão a mais de mil milhas marítimas de qualquer outro ser humano (quase 2 mil quilômetros). Em caso de necessidade de resgate, pode levar 10 dias para um navio chegar a essas regiões.

Há também aspectos bons nessa travessia. Sonho de qualquer navegador, o Oceano Antártico é o melhor lugar para surfar ondas enormes por semanas a fio. “O sul pode ser inacreditável”, entusiasma-se Enright. “Quero dizer, são fortes ventos de oeste, o sonho de um marinheiro em termos de rumo, você pode ir a favor do vento para sempre. Mas também é a parte mais traiçoeira do mundo. Na edição de 2014/15 da Ocean Race, éramos um grupo de jovens, e quando lideramos a flotilha ao redor do Cabo Horn foi um momento mágico. Já na edição seguinte da regata, o cordame caiu cerca de 50 milhas após o Cabo Horn. O Oceano Antártico pode dar e pode tirar”, advertiu.

Paul Meilhat, skipper do Biotherm, atrasou-se para inscrever-se na The Ocean Race, e achou que não tinha muito tempo para reunir o tipo de tripulação que queria a bordo. No entanto, a perspectiva de enfrentar o longo trecho dos Mares do Sul naterceira etapa facilitou o recrutamento. “Quando anunciei que estava procurando equipe, todos quiseram, especificamente para fazer essa perna. Esta é a etapa de que todos falam, porque é quase metade da regata em termos de milhas, é a mais longa da história desta corrida, e nos mares e ventos mais fortes do planeta” comentou Meilhat.

O capitão da equipe Holcim PRB, Kevin Escoffier, estava pronto mentalmente, mas fisicamente nem tanto. “Descansamos um pouco, mas não o suficiente na Cidade do Cabo. Ainda há muita regata pela frente. Quando começamos em Alicante, já estávamos tocando o barco a 100% do que pensávamos ser possível, talvez mais. Não sei se estamos forçando demais. Temos que encontrar uma nova forma de levar o barco, para encontrarmos uma boa velocidade média sem forçar o veleiro. Com o Team Holcim PRB, nunca fizemos 30 dias seguidos no mar. É o desconhecido, mas estamos ansiosos por isso.”

Boris Herrmann, do Team Malizia, também estava animado para a terceira etapa. “Você não pode construir um barco que seja bom para todas as condições de vento e onda. Nós projetamos este barco para vento a favor em condições fortes. Espero que possamos aproveitar isso e provar que o barco é bom para tais condições no Oceano Antártico”, disse o capitão.

Depressão à vista

A bordo do Guyot environnement - Team Europe, no segundo dia da etapa Cidade do Cabo – Itajaí. Foto: © Charles Drapeau - Guyot environnement - Team Europe

Uma forte depressão aguarda a flotilha logo no início de março. Eis algumas informações dadas por Christian Dumard, meteorologista oficial da The Ocean Race:

  • As equipes devem ficar perto da costa, passando pelo Cabo da Boa Esperança, ou seguir mais para o sul — ou mesmo para o sudoeste — em busca de uma brisa mais forte e do primeiro vento de oeste que levará os barcos para o leste, em direção à Austrália.

  • Os estágios iniciais desta etapa serão sobre ir para o sul e para os ventos de oeste super-rápidos, mas extremamente desconfortáveis, que uivam ao redor do globo através do Oceano Antártico.

  • Se uma tripulação for para o sul, as outras podem seguir o exemplo por medo de perder uma manobra. Com fortes condições de vento na primeira noite, há a possibilidade de uma divisão.

  • Há um sistema de baixa pressão nos dias 2 e 3 de março.

Depois de enfrentar um vendaval na noite de domingo, a flotilha, já com todos os seus cinco veleiros em plena capacidade, desacelerou na manhã de segunda-feira, diante de um pequeno anticiclone e os ventos fracos associados a ele. Tanto 11th Hour Racing Team quanto Biotherm voltaram à corrida após fazer os reparos necessários. O Biotherm demorou para conseguir os suprimentos para os reparos, mas conseguiu retomar a corrida às 22h21 UTC. O vento fraco permitiu uma redução significativa do atraso, mostrando que foi acertada a decisão de fazer uma pequena parada para garantir que o barco estivesse pronto para as duras condições à frente. Os reparos continuaram a bordo.

Há outro obstáculo. Em algumas ocasiões, um redemoinho muito forte da Corrente das Agulhas empurrou embarcações para o norte a até quatro nós. Este fenômeno parece ter atingido o 11th Hour Racing Team e o Team Malizia especialmente.

Ao seguirem para o sul, as equipes enfrentarão os ventos mais fortes e o mar mais agitado que já viram na regata. Na tarde da terça-feira, dia 28 de fevereiro, os barcos tinham descido para latitudes mais altas, alcançando o primeiro grande sistema climático da etapa, depois de um dia de vento fraco e correnteza de proa. São previstas ondas de até seis metros de altura mais ao sul.

A flotilha deve descer até uma latitude de 39 graus sul e, a partir daí, virar para o norte e para o sul novamente. “A ideia é encontrar um percurso com boa velocidade e sem muito vento ou ondas grandes”, disse o skipper Paul Meilhat, do Biotherm.

O momento é de prudência

Boris Herrmann e Nicolas Lunven, do Team Malizia, discutem estratégias durante o segundo dia da perna 3. Foto: © Antoine Auriol - Team Malizia

"Pegamos até 32 nós de vento. Estamos navegando com vento a favor um pouco menos fortes, mas com ondas maiores. Não é uma situação fácil de lida", descreveu Robert Stanjek, a bordo do Guyot environnement - Team Europe.

A flotilha encontrava-se, no momento, espremida entre a alta pressão que acabara de atravessar e uma forte rajada, com ventos fortes e grandes ondas, empurrando-a de sul e movendo-se com ela para leste. "Temos uma grande tempestade para passar. As condições do vento e do mar vão ser difíceis. Temos a opção de ficar no norte. Se formos para o sul, teremos muitas horas com ventos de mais de 40 nós, um pouco demais."

Nesta etapa, o equilíbrio entre velocidade e segurança é fundamental. Uma decisão agressiva, que resulte em paradas pode ser impossível de se recuperar.

Classificação geral da The Ocean Race 2022-23 após a segunda etapa

Roberto Negraes