Final da Globe 40

Chegada, em Lorient, do Sec Hayai, vencedor da Globe 40

Vitória

da regularidade

Por Roberto Negraes

O veleiro Amhas (EUA) venceu a última etapa, mas o campeão da Globe 40, foi o Sec Hayai (Holanda)

Comandado pelo skipper Frans Budel e tendo como tripulante Ysbrand Endt, o veleiro holandês Sec Hayai foi o segundo a chegar, mas venceu a Globe 40 graças à sua regularidade nas oito etapas desta regata de volta ao mundo, acumulando pontos suficientes para ser o campeão. Esta última e decisiva perna da competição de circum-navegação de veleiros da Classe 40 terminou na última quarta-feira, 15 de janeiro, depois de 19 dias no mar (a travessia do Atlântico teve início em 24 de fevereiro).

A tripulação anglo-americana do Amhas (Craig Horsfield e Oliver Bond), por sua vez, cruzou a linha de chegada com quatro horas e meia de vantagem sobre o Sec Hayai. Na contagem final da pontuação, apenas dois pontos separaram os dois competidores (com 33 e 35 pontos) após as oito etapas e nove meses de disputa. A vitória dos holandeses foi conquistada ao fim de 161 dias no mar, tendo percorrido 33.311 milhas náuticas (61.692 km) a uma velocidade média de 8,62 nós (15,96 km/h).

Apesar de ainda estar muito distante do ponto final em Lorient (França) —inclusive atrás dos dois outros veleiros na disputa, o Griphon Solo 2 e o Whiskey Jack—, o barco Milai Around the World (Japão), do skipper Masa Suzuki, com Koji Nakagawa como tripulante, já tem lugar garantido no pódio.

Partindo da ilha de Granada, no Caribe, no dia 24 de fevereiro, os competidores da Globe 40 tiveram que cobrir 3.600 milhas náuticas (6.667 km) nesta corrida transatlântica de volta ao inverno europeu. Com uma passagem obrigatória por um portal nos Açores, eles tiveram de enfrentar uma sucessão de depressões extremas, com ventos de 50 nós (92,5 km/h) e rajadas de mais de 60 nós (111 km/h), com ondas de 6 a 8 metros. Isso tornou a etapa final da Globe 40 a mais dura que os participantes tiveram de enfrentar em termos meteorológicos, surpreendentemente piores do que a depressões vencidas nos chamados Mares do Sul, nos Oceanos Índico e Pacífico.

Um grande vendaval na véspera da chegada em Lorient até forçou o Amhas e o Sec Hayai a “tirar o pé do acelerador” para evitar as ondas de até dez metros que surgiram no Golfo da Biscaia. Levando as honras de ser o fita azul nesta etapa, o Amhas conseguiu acumular três vitórias entre as oito etapas disputadas.

Chegada do Amhas, primeiro a completar a regata de volta ao mundo da Classe 40

Vitória construída com rigor e inteligência

A vitória holandesa foi fruto de um trabalho rigoroso de muita inteligência tática. Dado que o seu Classe 40 era o barco mais antigo da flotilha e, portanto, teoricamente o mais lento, a tripulação do Sec Hayai teve de trabalhar em todos os aspectos que lhes permitissem compensar esta desvantagem inicial: uma remodelação completa do veleiro antes da partida, preparação técnica muito abrangente na preparação para o evento, uma abordagem competitiva focada na consistência —obtiveram uma única e importante vitória, pois aconteceu justamente na longa terceira etapa, de 7.000 milhas (12.964 km) das ilhas Maurício à Nova Zelândia. E, por fim, personalidades altamente complementares. De fato, Frans trouxe todo o seu entusiasmo e rigor no comando, e o marinheiro profissional Ysbrand forneceu o know-how competitivo durante toda a campanha.

Ysbrand Endt e Frans Budel comemoram a vitória em Lorient

Uma travessia do Atlântico Norte no inverno

Esta foi a primeira regata de circum-navegação para veleiros da Classe 40 a quatro mãos (o comandante e um tripulante). Agora, nove meses depois, esta regata estará sendo concluída pelos cinco barcos restantes.

Num sábado, 11 de junho de 2022, os competidores da Globe 40 zarparam da francesa Lorient rumo a Tânger, no Marrocos. O percurso, de 920 milhas (1.704 km), foi um prólogo, uma regata sem contagem de pontos até a cidade marroquina, ponto oficial de partida do evento, de onde largaram sete veleiros — dois abandonariam após as duas primeiras etapas, o Ibn Battouta Tribute 2022 (Marrocos) e o The Globe em Solidaire (França).

Apenas quatro barcos largaram para a oitava perna, que começou em Granada: Sec Hayai, Amhas, Gryphon Solo 2 eWhiskey Jack. O japonês Masa Suzuki, skipper do Milai, que vinha com o melhor desempenho, vencendo três das cinco primeiras etapas e liderando a sexta etapa com mais de cem milhas de vantagem sobre a flotilha até ser tirado temporariamente da disputa por conta do choque contra um objeto semi-flutuante, na costa argentina, decidiu completar a volta ao mundo largando de Mar Del Plata, com os reparos concluídos (autorizados pelos organizadores).

Antes da largada desta oitava e última etapa, os competidores, que foram acolhidos pela Camper & Nicholsons Port Louis Marina em Granada, puderam fazer uma última vistoria técnica dos barcos e descansar após duas pernas difíceis, cruzando o Pacífico até Ushuaia (Argentina) e depois subindo o Atlântico Sul até Recife. Essas duas etapas anteriores somaram cerca de 6.000 milhas (11.112 km). O ritmo aumentou depois de Recife, uma vez que as tripulações finalmente pegaram os ventos alísios.

Com uma vantagem de apenas quatro pontos sobre o veleiro anglo-americano Amhas (29 a 33 pontos), a vitória da tripulação holandesa do Sec Hayai (Frans Budel / Ysbrand Endt) ainda não estava garantida na largada em Granada. Para o barco holandês ser campeão, bastava chegar em segundo lugar. Já o Amhas precisaria vencer tendo o Sec Hayai duas posições atrás. Como os holandeses conseguiram o segundo lugar, acabaram campeões desta regata de circum-navegação.

Em minha opinião, o grande destaque desta Globe 40, com incrível participação graças às suas três vitórias nas cinco primeiras etapas, foi o skipper japonês Masa Suzuki com seu Milai, que acumulou um número suficiente de pontos (44 até o início da última etapa) para garantir um merecido lugar no pódio na Globe 40, qualquer que seja o resultado dos demais competidores!

Masa está inicialmente acompanhado pelo tripulante italiano Andrea Fantini, que depois será substituído pelo japonês Koji Nakagawa, nos Açores. Era esperada também uma última match race entre o veleiro ítalo-americano Gryphon Solo 2 (com Joe Harris e o italiano Roger Junet) e a canadense Mélodie Schaffer, do Whiskey Jack, apoiada pelo americano Tom Pierce, com quem obteve uma vitória brilhante na sétima perna, navegando uma distância recorde de 347 milhas (642 km) em 24 horas no decorrer do percurso. Apenas dois pontos separavam estas duas equipes (62 e 64 pontos). No entanto, durante o percurso para Lorient, o Whiskey Jack teve uma vela rasgada (veja aqui), o que certamente roubou-lhe um tempo precioso —na noite do dia 17, quando o Gryphon Solo 2 já havia completado sua volta ao mundo, o barco canadense ainda estava a mais de 380 milhas da chegada.

Masa Suzuki e Andrea Fantini, rumo aos Açores, comemoram em postagem no Instagram a sua segunda passagem, juntos, pelo equador. O Milai será o último a chegar, mas seu desempenho nas primeiras etapas já lhe garantiu um lugar no pódio

Passagem pelos Açores, rota final para Lorient

A dupla Craig Horsfield / Oliver Bond, do Amhas, assumiu a liderança no portal obrigatório dos Açores, a oeste do arquipélago, com 51 milhas (94 km) de vantagem sobre sua rival mais próxima, a equipe holandesa no Sec Hayai (Frans Budel / Ysbrand Endt), faltando cerca de 1.270 milhas (2.352 km) para a chegada em Lorient. Como os demais competidores, eles enfrentaram algumas condições particularmente difíceis, com uma frente gerando 40 nós (74 km/h) de vento sul-sudoeste, com rajadas de 55 nós (102 km/h) e mar agitado com ondas de 6 a 7 metros.

O Gryphon Solo 2 registrou até 62 nós (115 km/h) de vento na noite do dia 8 de março. O skipper Joe Harris expressou a extrema dureza destes momentos finais da regata no informe da regata publicado no dia 12: “A noite passada foi a noite mais difícil de toda a nossa volta ao mundo. O vento e o estado do mar continuaram a aumentar até estarmos em mares de 9 m e 60 nós de vento. Estávamos preparados com três rizes na vela mestra e de estai, que funcionaram bem até 50 nós de vento. Mas as rajadas balançaram o barco com força e fizeram Roger e eu nos perguntarmos, amontoados na cabine, se íamos ser derrubados e rolar. Foi assustador. Pensamos em bote salva-vidas, epirb e resgate. Mas finalmente as rajadas de 60 nós diminuíram e pudemos continuar…. Isso faz você pensar. Conduzir até a beira do precipício... olhar por cima do precipício... mas não pular... nem ser empurrado!”

O veleiro americano cruzou a linha de chegada na manhã da sexta-feira, 17 de março, na terceira posição desta etapa e em quarto lugar nesta primeira edição da Globe 40. Eis o que o co-skipper Roger Junet escreu na véspera da chegada:

Hoje parece mais um dia a bordo do Gryphon Solo 2. Estou tão aliviado por termos passado os últimos dias tempestuosos sem danos e me sinto feliz e em paz. Olho para o software de roteamento indicando 420 milhas náuticas restantes – 1d 22h 11m. Que legal! Já existe uma enorme sensação de excitação passando pelo meu corpo com o pensamento de completar uma circum-navegação do globo em dupla, contornando os três principais cabos e competindo arduamente contra marinheiros habilidosos em barcos de 40 pés.

Quinze barcos inscritos para esta regata, sete partiram no ano passado para Lorient, e quatro barcos terminaram. Essas 15 equipes tinham o mesmo sonho de circum-navegar o globo, mas surgiram obstáculos e infelizmente muitos competidores não conseguiram superá-los. Isso diz muito sobre o quão difícil é se preparar para uma regata de volta ao mundo e ainda mais difícil terminar a corrida. Joe e eu formamos uma boa equipe. Tenho orgulho de nós, não deixamos que pequenas coisas atrapalhassem; sempre prevaleceram o respeito mútuo, a gentileza e um grande senso de humor. Bravo, Giuseppe!

Hoje, navegamos juntos 188 dias e 188 noites no Gryphon Solo 2, em um ambiente muito pequeno e com padrões primitivos. A sensação de dever cumprido vem mais das interações humanas, meus amigos nos parabenizando, amigos marinheiros me dizendo que existem milhares de marinheiros que querem realizar tal viagem, e comentários no Facebook ou notícias que nos apoiam e levantam nosso moral. Terei muito tempo para refletir e confirmar como me sinto depois da regata e se a sensação de dever cumprido me afetará. Eu esperava terminar com a maior força e confiança que um marinheiro poderia encontrar em um barco, mas em vez disso estou calmo, atencioso e humilde. Por mais que eu anseie cruzar a última linha de chegada, há um pouco de tristeza crescendo em mim... a regata vai acabar.

Criamos uma ligação com os outros concorrentes e com a direção da regata, somos uma família há dez meses e em oito etapas à volta do mundo. Vou sentir falta deles, assim como de muitas belezas que o oceano oferece: nascer do sol, pôr de sol, albatrozes, arco-íris. As estrelas são tão únicas quando você está no meio do oceano, navegando em áreas tão remotas. Provavelmente fomos as únicas pessoas a navegar neste local exato, deixando apenas um rastro que dura apenas alguns segundos. Meu irmão uma vez me perguntou: ‘É divertido?’ É possível, mas a primeira palavra que vem à cabeça é desafio.

Por que fazemos isso? Acredito que o desafio é a melhor maneira de aprender mais sobre nossa mente e corpo e a dor é apenas um lembrete dos obstáculos que superamos.

Roberto Negraes