Ocean Race em Itajaí

Madrugada do domingo 2 de abril: o concorrente Team Malizia é o primeiro a completar o percurso Cidade do Cabo–Itajaí, mais longa etapa de toda a história da The Ocean Race. Foto: © Sailing Energy - The Ocean Race

A volta ao mundo

termina etapa no Brasil

Por Roberto Negraes

Team Malizia vence, mas a liderança da The Ocean Race é do Holcim - PRB

O veleiro alemão Team Malizia (comandado por Boris Herrmann) venceu a terceira etapa da The Ocean Race ao ser o primeiro a chegar em Itajaí, no litoral catarinense. Contudo, com o barco suíço Holcim - PRB (Kevin Escoffier) no segundo lugar (e passando em primeiro no portal de pontuação, que explicaremos adiante), este último continua na liderança desta regata de volta ao mundo, graças ao seu bom desempenho e regularidade nas etapas anteriores.

Na verdade, a vitória do Team Malizia foi definida pela forte tempestade que se abateu no litoral sul brasileiro na noite de 1º de abril, sexta-feira passada. O capitão Boris Herrmann contou ter passado a noite acordado, sob ventos de 40 nós e rajadas até 50, muito tenso e temendo por algum problema que lhe tirasse a vitória. Porém, foi o veleiro rival Holcim - PRB que sofreu problemas e perdeu terreno — os dois estavam praticamente juntos, mas depois da tempestade, o barco suíço surgiu 30 milhas atrasado em relação ao Malizia.

Administrando essa vantagem, às duas horas de sábado o Team Malizia chegou ao Ocean Live Park, em Itajaí, vencendo a terceira e mais longa etapa da história da The Ocean Race (e suas versões anteriores). Foram 34 dias e 17 horas de regata, 14.714 milhas de intensas disputas com os outros quatro veleiros remanescentes na competição, sempre próximos uns aos outros, muitas vezes com alterações inesperadas na liderança.

O Holcim - PRB demorou 34 dias e 22 horas, percorrendo uma distância maior (15.042 milhas) nesta perna entre a Cidade do Cabo e Itajaí. No entanto, a pontuação obtida pelos dois barcos foi idêntica: nove pontos para cada um. Ocorre que a organização montou um “portal de pontuação” ao sul do Pacífico (longitude 143⁰ Leste, perto da costa oeste da Tasmânia), valendo cinco pontos para o primeiro a passar, quatro para o segundo e assim por diante. Coube ao Holcim PRB a vitória no portal, muito comemorada pela equipe suíça. Mais de cinco horas depois, foi a vez do Team Malizia cruzar a marca. Daí os nove pontos para ambos. O terceiro colocado no portal foi o 11th Hour (EUA), enquanto o Biotherm (França) foi o quarto.

A vila em Itajaí

Antes mesmo de o Team Malizia chegar, a vila da regata em Itajaí, aberta no dia 29 de março para acolher os barcos e suas equipes, já havia recebido, segundo a prefeitura da cidade, 66 mil pessoas.

A entrada na vila é franca (funcionamento das 14 h às 23 h, de segunda à sexta-feira; e das 11 h às 23 h nos fins de semana). Foram programadas atrações, a maioria gratuitas, para entreter o público, como a exposição Mar Adentro, o Pavilhão de Gênova (cidade onde terminará a The Ocean Race 2022-23), o Planetário e visitas às bases de duas das equipes Team Malizia e 11th Hour. Fora da vila, há ainda pista de patinação no gelo, roda gigante e carrossel.

Os barcos sofreram danos

Na longa travessia entre a Cidade do Cabo (no extremo sul da África) e Itajaí (Atlântico Sul), os participantes cruzaram toda a extensão dos Oceanos Índico e Pacífico, subiram desde o extremo sul da América (onde fica o famoso Cabo Horn), passando depois ao largo das costas argentina e uruguaia, até chegar ao litoral brasileiro. Lembrando que foi imposta pela organização uma linha de exclusão nos Mares do Sul de modo a evitar choques com icebergs, esses veleiros classe Imoca foram, sem dúvida, exigidos ao máximo e sofreram os mais diversos problemas durante esta etapa.

O Team Malizia, por exemplo, teve sérios danos no topo do mastro poucos dias depois da largada. O skipper Boris Herrmann recorda que, por conta disto, ele e sua equipe pensaram seriamente em abandonar a etapa e retornar à Cidade do Cabo. No entanto, apesar do mar agitado, decidiram subir no mastro e fazer os reparos, o que lhes tomou dois dias inteiros. Quando terminaram, o Holcim - PRB já estava 600 milhas à frente, mas como o reforço realizado no mastro do barco alemão foi bem sucedido, suas esperanças voltaram.

Aos poucos, o Team Malizia foi encurtando essa distância até o sul da Nova Zelândia (Oceano Pacífico) e passou a travar um duelo milha a milha com o Holcim - PRB. Então, a tripulante Rosalin Kuiper, do barco alemão, sofreu um acidente preocupante — em mar extremamente agitado, ela foi arremessada de seu beliche, batendo violentamente a cabeça, e sofreu traumatismo craniano.

Com apenas três membros da equipe (pois sempre havia um cuidando de Rosalin), o Team Malizia manteve o ritmo. Foi o primeiro a contornar o Cabo Horn, ganhando, por isto, o troféu Roaring Forties. Entretanto, a luta com o Holcim - PRB continuou ainda mais dura na subida da América do Sul. Ora um dos dois barcos estava na frente, ora era o outro. A situação foi definida quando uma forte frente fria ao sul de Itajaí, com ventos de 40 nós com rajadas mais fortes, causando sérios problemas ao veleiro suíço, deu uma vantagem de mais de 30 milhas ao veleiro alemão.

O Holcim - PRB continuou a aproximação para Itajaí, mas acabou ficando 80 milhas atrás do Team Malizia, porque o vento simplesmente quase sumiu depois da chegada dos alemães. Parece incrível, mas a apenas uma milha do final, o veleiro suíço praticamente não avançava, já que além da muito fraca brisa, a maré estava baixando e as águas do Rio Itajaí formaram uma correnteza contrária de certa intensidade. Com isto, foi preciso mais de 20 minutos para o Holcim - PRB conseguir superar essa última milha!

Logo ao aportar em Itajaí, o alemão Boris Herrmann comentou: “Em razão do nosso problema inicial, ganhar esta etapa é um momento irreal, é preciso tempo para acreditar no que conquistamos, que o sonho se tornou realidade”. Já Rosalin Kuiper, a tripulante ferida, admitiu ainda não estar totalmente recuperada, mas muito melhor, principalmente com a alegria da chegada.

Previsão de chegada dos outros barcos

Apesar da avaria no hidrofólio de bombordo ocasionada no choque contra um ófni (objeto flutuante não identificado) e a consequente perda de desempenho, na noite de sábado (1º de abril), o veleiro francês Biotherm, que estava previsto para chegar somente pela quinta-feira (6 de abril), briga pelo terceiro lugar no pódio da terceira etapa da The Ocean Race 2022-23.

"O vento está bastante instável", comentou o skipper do Biotherm, Paul Meilhat. "Esperamos chegar na quarta-feira, mas não sei quando." Na tarde de terça-feira (4 de abril), o barco de Meilhat, com danos à vela, vazamento de água, pane no sistema hidráulico que move a quilha e, havia mais de uma semana, sensores de ventos sem funcionar, corria a menos de 15 milhas do 11th Hour Racing Team, que tampouco foi poupado de seu quinhão de problemas durante esta etapa, de vela mestra rasgada a lemes danificados e uma avaria na proa.

"À medida que navegamos, fazemos reparos a bordo para manter o bom desempenho do barco, mas também temos uma lista de tarefas para quando o barco chegar à terra..." disse Jack Bouttell, do 11th Hour Racing Team. "Estamos travando uma batalha com o Biotherm e estamos basicamente empatados", contou Charlie Enright na segunda-feira. "Mas há outra corrida acontecendo também. A corrida para o nosso período de estaleiro. Temos uma lista de trabalhos de 35 dias que se acumulou ao longo desta etapa."

As últimas previsões apontam que esta perna da regata deve terminar na quarta-feira (5 de abril) perto do meio-dia, horário local. Muito mais difícil de prever é quem vai chegar na frente. Com regras como as desta terceira etapa da The Ocean Race (com portal de pontuação; zona de interdição em razão de risco de iceberg; além da passagem pelo cultuado Cabo Horn, que valeu um troféu, mas não pontuação), pode-se dizer que a vitória, na verdade, pertenceu ao Holcim - PRB, que se destaca como líder atual da The Ocean Race, com boa vantagem de cinco pontos sobre o vice-líder Team Malizia.

O concorrente Guyot environnement – Team Europe sofreu delaminação do casco logo no início da competição e retornou a um porto francês para reparos. Agora, com o casco praticamente refeito, o veleiro europeu veio para Itajaí e participará do restante da The Ocean Race 2022-23, que terá ainda quatro pernas. A próxima (quarta) será Itajaí–Newport (EUA); a quinta, Newport–Aarhus (Dinamarca); a sexta, Aarhus–Haia (Holanda); e a final, Haia–Gênova (Itália).

Classificação geral da The Ocean Race após três etapas

Roberto Negraes