Marco Aurélio Toso

*Por Roberto Negraes

Marco Aurélio e sobrinhos: ensinando aos mais jovens o amor pelo esporte da vela. Fotos: Arquivo pessoal

Marco Aurélio e sobrinhos: ensinando aos mais jovens o amor pelo esporte da vela. Fotos: Arquivo pessoal

“Se jogar uma regata virtual,

estará a um passo de comprar um veleiro real”

Quem diz é Marco Aurélio Toso, o top player brasileiro e mundial das regatas virtuais

   Quem me conhece como jornalista especializado em náutica e velejador (de cruzeiro), sabe que eu, Roberto Negraes, acabei descobrindo e participando de regatas virtuais por alguns anos, e assim aprendi que são competições das mais difíceis, verdadeiras simulações mais do que um simples jogo, e com um milhão de praticantes do todo o mundo. Assim, quando decidi voltar, em outubro do ano passado, na plataforma Virtual Regatta (conhecida como VR), tive uma grande surpresa ao visitar a página do ranking dos participantes. Em segundo lugar, aparecia um barco brasileiro, o Macotoso-BST; e em sexto lugar, outro brasileiro, o DogBoris-BST!

   A curiosidade foi imediata. Quem seriam esses brasileiros capazes de estar em destaque numa das atividades mais difíceis do mundo náutico online? Alguns dias mais tarde meu interesse aumentou: o Macotoso-BST assumiu a liderança geral das regatas virtuais!!! Ser o primeiro entre centenas e centenas de milhares de excelentes marinheiros virtuais não é, definitivamente, para qualquer um. Com certeza, uma pessoa diferenciada.

   Nos anos em que competi (de 2008 a 2013 ou 14), poucos brasileiros conseguiam chegar entre os cem ou duzentos primeiros nas regatas virtuais. E não existia um ranking oficial. A iniciativa da Virtual Regatta de, nos últimos anos, pontuar e designar os melhores velejadores virtuais, considerei uma excelente e estimulante iniciativa (para saber mais, clique aqui).

   Então, procurei conhecer quem seria o excelente navegador brasileiro do topo de ranking, no momento podendo ser considerado o melhor do mundo. Pertencia a uma equipe, a BST (Brazilian Sailing Team), de alto nível. Entrei em contato com o grupo. E foi assim que conheci o “Comodoro” do BST (um dos fundadores) e comandante do veleiro Macotoso, é o Marco Aurélio Toso, 57 anos de idade, empresário, residente em Curitiba (PR).

   Vamos conhecer esse forte representante do Brasil, por suas próprias palavras:

“Sempre fui um aficionado pelo esporte da vela. Pratico desde que estava na barriga da minha mãe, por assim dizer (risos). Sou do tempo em que usavam-se cartas náuticas impressas, régua de paralelas, compasso, bússola, sextante, radiogoniômetro e assim por diante. Infelizmente, minha atividade profissional acabou me afastando da vela por alguns anos. Em fins de 2013, conheci a Virtual Regatta, quando era disputada a Volvo Ocean Race de 2013/2014 (atualmente essa regata de volta ao mundo é chamada The Ocean Race). Gostei, e achei interessante voltar a velejar, mesmo que fosse de modo virtual. Assim, já são quase sete anos de participações sempre com ótimos resultados”.

   No mundo real, hoje Marco possui um Hobie 3.9, com o qual costuma levar seus jovens sobrinhos para tentar que criem gosto pelo esporte da vela, adquirido por ele mesmo na juventude:

“Cheguei a participar de regatas em Antonina e em Paranaguá (no Paraná), competindo em diversas classes como Lightning, Guanabara e Laser. E em vela oceânica, tive o prazer de viajar, ida e volta, com um grande ketch (veleiro de dois mastros) clássico de 43 pés, o Bystra, construído em madeira na década de 1960.

   Marco procura estar sempre atualizado sobre o que acontece no mundo real da vela:

“Tive a oportunidade, há alguns anos, durante a etapa brasileira da Volvo Ocean Race em Itajaí (SC), de encontrar grandes nomes como Bouwe Bekking, Xabi Fernández, nosso André Fonseca (o “Bochecha”) e outros navegadores. Foi muito produtivo conversar com eles sobre técnicas de navegação, fatores para a escolha do curso a seguir, o desempenho dos barcos e assim por diante”. E nas regatas virtuais tem vários velejadores profissionais do mundo real participando, velejadores de altíssimo nível, com os quais costumo fazer contato via chat do game. Muitas vezes trocamos informações sobre rotas, clima, estratégias e mesmo temas fora do assunto regatas. O mundo virtual da vela não é diferente do real, existe muito companheirismo e troca de experiências, só quem pratica o esporte sabe”.

Com Bouwe Bekking, skipper do veleiro Brunel, durante a parada da regata de volta ao mundo Volvo Ocean Race em Itajaí (SC)

Com Bouwe Bekking, skipper do veleiro Brunel, durante a parada da regata de volta ao mundo Volvo Ocean Race em Itajaí (SC)

   E como Marco tornou-se um dos melhores do mundo, chegando a liderar o ranking da Virtual Regatta?

“Quando comecei, mais por brincadeira, aos poucos fui compreendendo a importância e dimensões (envolvendo quase um milhão de praticantes) e sua relação com o mundo real. A empresa Virtual Regatta tem parceria com as mais importantes regatas oceânicas do mundo (praticamente todas passaram a ter oficialmente, em paralelo, suas versões virtuais). Acompanhamos as regatas reais ao lado das virtuais quando estamos jogando. Podemos visualizar os veleiros reais na interface simulada como se estivéssemos participando igualmente do evento real. As largadas são simultâneas. E os barcos virtuais são comandados, em sua maioria, por quem veleja no mundo real — muitos, inclusive, profissionais da vela, e levam muito a sério as regatas virtuais”.

   Os primeiros resultados obtidos não o satisfizeram:

“De início, terminava entre os quinhentos, mil, por aí. E me perguntava: será que sou tão mau velejador assim? Como os primeiros são tão bons, qual o segredo? Aos poucos, fui ganhando experiência, trocando informações com outros comandantes (como no mundo real, o dono do barco virtual é denominado comandante), até me familiarizar com as ferramentas disponíveis para dar apoio à navegação virtual. Comecei a estudá-las e me aprofundar no assunto. Algumas equipes desenvolveram seus próprios softwares, para uso exclusivo. Esses programas são de grande complexidade, executando cálculos com algoritmos complexos, capazes de oferecer várias opções de cursos a serem considerados”.

De qualquer modo, Marco observa que apesar desses softwares, “é você mesmo quem toma a decisão, e sendo o navegador e skipper ao mesmo tempo, se você tomar uma decisão errada, foi-se a regata. Para quem tem experiência no mundo real da vela, essas decisões podem ser tomadas com mais sucesso”.

   A partir do momento em que mergulhou a fundo nos detalhes da navegação virtual, Marco começou a melhorar seus resultados:

“Passei a chegar nas regatas entre os duzentos primeiros, depois entre os cem, melhorando os resultados, e mais tarde começando a brigar de igual para igual com os Top Players pela vitória. Mas foram alguns anos e muitas noites sem dormir até me tornar competitivo na Virtual Regatta e chegar ao Top 1 no ranking geral. O caminho, sem dúvida, é muito longo, difícil, você tem de ter paciência, pois são alguns anos participando de regatas. A competição é muito disputada. Dependendo da importância do evento, podemos ter 20 a 200 mil barcos competindo, e você tem de participar de todas as regatas se quiser subir no ranking, às vezes em cinco ou mais ao mesmo tempo. É preciso muita paciência — algumas regatas podem durar 30, 40, 60 dias — e disciplina nos horários, pois as previsões meteorológicas da NOAA (Agência Nacional Oceânica e Atmosférica, dos Estados Unidos) ocorrem de seis em seis horas. Finalmente, quando se está chegando ao topo, vai ficando mais difícil, pois você está brigando com os melhores. Antes de chegar a estar em primeiro no ranking, passei dez meses entre os dez primeiros. Eu digo que chegar ao topo não é fácil, mas menos ainda é permanecer por lá. É fundamental a regularidade nas regatas, manter-se entre os cinquenta primeiros. E chegar ao primeiro lugar, com meu barco Macotoso-BST, foi um feito inédito, até então nenhum brasileiro tinha conseguido isso. E tal feito eu devo a todos do grupo BST, sempre me ajudaram de várias formas.

   E a equipe BST, como surgiu?

“Fui um dos fundadores da equipe Brazilian Sailing Team – BST, por volta de 2015. Na época, eu e mais alguns grandes comandantes dos veleiros virtuais participávamos de outro grupo de brasileiros, mas o administrador deixou as regatas virtuais, e tudo ficou parado. Começamos a perceber a necessidade de ter um grupo representando o Brasil, e com seriedade. Nessa época, eu já era o primeiro do ranking entre os brasileiros (antes a VR mostrava a classificação de cada país). Conversa vai, conversa vem, eu, o Francisco (KikoPR-BST), o Marcelo (Sambaqui-BST) e o Paulo (Kinkakala-BST) decidimos montar a equipe. Fui escolhido como administrador do grupo, e até hoje me chamam carinhosamente de “Comodoro”. E logo o grupo aumentou, fomos convidando os comandantes que mais participavam das regatas. Ajudamos a formar, a partir de novatos, alguns dos bons competidores brasileiros atuais. Sempre digo ‘criamos cobras para nos picar!’. Mas, na verdade, sempre procuramos nos ajudar. Este é o principal motivo do grupo. E hoje somos reconhecidos internacionalmente, um grupo altamente competitivo. Quando alguém carrega a sigla BST ao lado do nome do barco, o pessoal de outros países sabe que a briga não vai ser fácil, tem que navegar muito, pois nosso time não é fraco! O Guilherme, do DogBoris-BST, já ocupou a sexta posição no ranking, e outros estão ou estiveram entre os 50 e 100 primeiros na classificação geral”.

   Marco relembra momentos emocionantes nas disputas em regatas:

“Por volta de 2017, colocamos dez barcos BST entre os 60 ou 70 primeiros, numa regata pelo litoral da França. Foi uma grande conquista para o grupo. Outro grande momento foi numa regata em que cheguei em segundo lugar, passei os últimos dias alternando na liderança com o barco Buddha-BSP (barco suíço, comandado por uma mulher), perdi a primeira posição nos últimos minutos por um erro pessoal. Mas faz parte cometer erros. Contudo, o melhor foi quando meus amigos do grupo me presentearam com um espetacular “espumante” pelo feito, e isto para mim foi uma vitória”.

   Atualmente, Marco tirou umas “férias” depois de atingir seu grande objetivo, de chegar a liderar o ranking da Virtual Regatta. Conta que os familiares só ficam sabendo quando comenta sobre as regatas, pois atualmente é possível entrar no jogo pelo celular, tablet ou computador, fazer as modificações necessárias e voltar à rotina normal. “Somente de noite ou madrugada, a sua esposa acorda e pergunta: “Não acha que está na hora de dormir?”

   Nas regatas virtuais, há um chat para contatar e ser contatado por outros participantes. Como um dos melhores na classificação da VR, você tem muitos contatos com pessoas de diferentes países?

“Quando comecei, procurei conversar inicialmente com brasileiros e aos poucos foram surgindo amizades, e logo inclusive com outros países. Hoje tem pelo menos 50 velejadores com os quais troco mensagens com certa constância, a respeito das regatas, táticas, problemas, estratégias etc. A dificuldade maior era entrar em contato com a organização da VR, mas como a equipe foi ganhando prestígio, começaram a nos atender melhor e hoje fazem até modificações atendendo às nossas sugestões. Quando você começa a se destacar, passa a ter seguidores (a interface permite isso), e assim hoje o Macotoso-BST tem mais de mil seguidores. É legal saber que a gente é respeitado, tanto aqui como lá fora”.

   Quem você aponta como os melhores no mundo das regatas virtuais?

“Existem excelentes navegadores nas regatas virtuais, tem um grupo de comandantes que considero sendo a elite. Com minhas férias, perdi a liderança (a gente tem sempre que estar participando para se manter na frente) para o luxairfrance-PYR (francês); além dele, temos ótimos barcos, como o Tipapacherri-BSP e o Buddha-BSP (ambos suíços), o Freizh Volante-TPN (francês), o La-Sémilante-TPN (francês), YourMom AS (americano), mangina-PYR (australiano), todos já estiveram na posição máxima da VR. E é claro que nem precisaria falar dos colegas da equipe BST, para mim os “the best”. Para encerrar, eu diria que você acaba se relacionando com gente de outros países, conversando sobre outros assuntos fora das regata, sobre onde vive e mora, profissão, se veleja no mundo real, sobre família etc. Mas o mais interessante é que as regatas virtuais são disputadas por jogadores de faixa etária alta, são poucos os jovens. Talvez porque o jogo deixa a desejar na questão de gráficos, tem pouca ação, é mais como um jogo de xadrez prolongado por dias, exige muita paciência, e muitas escolhas e decisões para se chegar a um bom resultado final. Eu costumo dizer para quem nunca velejou no mundo real que, se jogar uma regata virtual, vai gostar e estará a um passo de comprar um veleiro real.”

   Mas Marco ainda tem uma sugestão divertida para maior sensação de estar num veleiro real durante uma regata virtual:

“Deite-se numa rede, ligue o ventilador no máximo, pegue um borrifador automático de água, e fique se balançando com o computador no colo, disputando a regata. De tempo em tempo, o borrifador jogará água na frente do ventilador, e você sentirá o vento respingando água no seu rosto, como se fossem as ondas batendo no costado...”

Nosso velejador virtual

 
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Foto: Arquivo pessoal

*Roberto Negraes é jornalista especializado em náutica e navegação, um dos pioneiros do setor. Em sua primeira participação numa regata virtual, conseguiu um 8º lugar numa das etapas da Volvo Ocean Race de 2008-09. Depois disso, passou a praticar e tornou-se o melhor brasileiro e participante do continente americano durante anos, vencendo etapas de regatas internacionais como a Velux Five Oceans em 2010, vencendo na categoria SO (sem equipamentos extras) uma Solitaire du Figaro, 2º lugar na Cap-Istambul de 2010, e terminando entre os Top 10 em 16 grandes eventos internacionais. Na Volvo Ocean Race de 2011-12, esteve em 2º lugar até a sexta etapa, infelizmente não deu sorte nas duas últimas pernas e finalizou em 5º lugar entre 330 mil participantes de 184 países. Depois disso, parou de competir desde 2012, mas retornou agora às regatas virtuais, participando inicialmente de regatas como testes, para adaptar-se (a tecnologia desenvolveu-se muito nos últimos anos).