Roteamento

Programas de navegação

para regatas reais e virtuais

*Por Roberto Negraes

Apresentação da rota completa. Sinais são informações sobre rumo, ventos etc.jpg

Softwares sugerem rotas para seu veleiro

     A todos os veleiros participantes de qualquer regata oceânica, ou simplesmente quem está realizando uma travessia sem finalidade de competição, tanto em questão de desempenho como de segurança, recomenda-se o uso dos chamados softwares roteadores. O mesmo acontece em regatas virtuais. Pouca gente sabe, mas os softwares e recursos de navegação a bordo dos veleiros em regatas oceânicas oficiais são os mesmos das regatas virtuais. O que se explica em razão de as regatas virtuais serem muito mais uma simulação próxima da realidade do que um simples jogo online.

   Há não muitos anos, praticamente todos os navegadores se baseavam apenas nas interpretações pessoais das previsões meteorológicas, ou indicações de entidades ligadas ao mar. Entretanto, logo surgiram os primeiros programas concebidos como auxílio à navegação marítima e, aos poucos, mesmo os marinheiros mais tradicionais se convenceram de que os softwares eram praticamente obrigatórios. E logo alguém percebeu que serviam perfeitamente para as regatas de navegação virtual. Assim, por exemplo, hoje os velejadores virtuais podem usar os mesmos softwares existentes a bordo de um veleiro participante de uma Vendée Globe (regata de volta ao mundo em veleiros monotripulados).

Na navegação virtual

   Nas regatas virtuais, o primeiro software a surgir, e que foi utilizado por muitos anos, foi o VRTool, criado por um brasileiro, o Omar Reis . Não era um roteador, todavia. Apenas uma interface simulando a do game, onde se podia importar as previsões meteorológicas, traçar rotas, compará-las, tentar encontrar o melhor rumo. Sempre o utilizei com sucesso, tanto que fui um top player nos anos em que participei das regatas. Sinceramente, sinto a falta do VRTool, eu conseguia melhores rotas com ele e meus cálculos do que com qualquer outro programa. Contudo, o VRTool, não está mais sendo desenvolvido para regatas virtuais, e, com as grandes mudanças tecnológicas surgidas nos últimos anos na interface da Virtual Regatta, está em desuso.

   O primeiro software de roteamento (criador de rotas) pensado especialmente para navegações virtuais chama-se Zezo (www.zezo.org), idealizado por um programador búlgaro, Cvetan Ivanov. É gratuito (parte dos usuários faz contribuições), e, portanto, o mais empregado pelo pessoal nas regatas virtuais. É muito fácil de usar, basta entrar com a posição do barco e destino, o Zezo se encarrega do resto. Não é recomendável para navegação real, pois tem recursos praticamente exclusivos para regatas virtuais.

Roteadores para navegação real e virtual

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PredictWind

   Um dos melhores roteadores online, utilizados, inclusive, por alguns barcos na regata Cape2Rio 2020. Eu o conheci quando venci uma etapa de regata virtual de volta ao mundo (Velux Five Oceans). Na época, como prêmio, além de alguns euros, ganhei uma assinatura anual do PredictWind no valor de aproximadamente 300 libras (o serviço é inglês). Até hoje sou usuário do PredictWind, mas no modo free, sem acesso ao roteador.

   Os preços do PredictWind eram os mais caros no mercado online de previsões de tempo e roteadores, mas felizmente caíram nos últimos tempos. Você precisa se registrar e pagar pelo serviço. Existem vários tipos de inscrição, sendo a completa a Professional, custa 250 dólares por trimestre ou 500 dólares anuais. Existem ainda as opções Basic e Standard, de 30 dólares anuais a 250 dólares anuais, respectivamente. É utilizado principalmente na navegação real (mas também pode servir para a virtual).

TimeZero (Max Sea e Furuno)

   Um dos primeiros e mais sofisticados softwares para navegação, utilizado em grande parte de embarcações — mesmo navios — em travessias oceânicas, além de ser a principal ferramenta de navegação em muitos dos veleiros disputando regatas oceânicas reais. De origem francesa (depois foi desenvolvida parceria comercial com a japonesa Furuno), integra-se com um computador de bordo e pode assumir praticamente toda a navegação em modo automático. Tem um módulo roteador, talvez o melhor. É voltado para o mercado profissional, mas também de regatas oceânicas, com módulos de roteamento tanto para veleiros como para embarcações a motor. É muito utilizado por navegadores em regatas oceânicas famosas. O preço é também profissional. O software "vazio" custa 500 dólares. Mas você vai precisar de mapas, módulos etc., e o custo pode passar de 2.000 dólares ou bem mais.

Expedition

   Este já é um roteador desenhado especificamente para regatas, como The Ocean Race, America's Cup, SailGP e muitas outras. O Expedition foi criado por um veterano navegador da Volvo Ocean Race e Whitbread, Nick White. O preço é 1.250 dólares.

Roteando pelo qtVlm - aparece o resultado na janelinha central.jpg

qtVlm

   O qtVlm (acima) é um software de navegação projetado para barcos a vela. E, por incrível que pareça, de qualidade e gratuito! Na entrevista com o Hans Hutzle (navegador do veleiro brasileiro Saravah na Cape2Rio 2020), ele contou ter usado este software, além de pesquisar exaustivamente outros recursos.

   É também um visualizador gratuito de previsão do tempo que aceita todos os tipos de origem de previsões. Pode ler e exibir mapas em vários formatos: gráficos vetoriais (S57 e S63), gráficos raster (kaps, geotiff etc.), gráficos VisitMyHarbour e gráficos mbtiles. E é certificado Iridium GO!, além de poder acessar diretamente sua assinatura grib do GreatCircle (squid).

   Inclui um módulo AIS (com a possibilidade de recuperar alvos via internet) e um Módulo de Instrumentos, que pode adquirir dados de várias fontes NMEA ou de GPS interno. Também pode enviar dados de desempenho (VMG, velocidade de destino etc.) para um sistema de navegação ou repetidores externos. Além disso, pode enviar dados para o qtVlm Companion, um aplicativo Android e AndroidWear especialmente projetado para interagir com o qtVlm.

   Eu, particularmente, consulto o qtVlm de vez em quando, além do Zezo e de utilizar minhas próprias observações das previsões nas regatas virtuais.

A posição do veleiro virtual aparece na interface do game

A posição do veleiro virtual aparece na interface do game

Informações complementares sobre rastreadores

Todos os softwares precisam ter os dados meteorológicos da NOAA (Agência Nacional Oceânica e Atmosférica, dos Estados Unidos) baixados e inseridos para poderem ser utilizados, e ainda as polares do tipo de embarcação utilizada.

E o que são as polares?

   Igualmente, todos os programas de regatas ou simples navegação (veleiros) usam polares. É preciso estar ciente de que as polares usam velocidades e ângulos verdadeiros do vento em relação às velas utilizadas e utilizam complexos cálculos matemáticos da medição da embarcação (tamanho, peso etc.). É isso que determina a velocidade do veleiro, pois o vento verdadeiro é independente do movimento do barco na água (ao contrário do vento aparente).

O site roteador Zezo

O site roteador Zezo

Conclusão

   Existem outros softwares para navegação e regatas, utilizados nos grandes eventos esportivos. Contudo, como as previsões meteorológicas não conseguem ainda acompanhar com exatidão (às vezes, pelo contrário), seguir às cegas um roteador dificilmente levará o navegador à vitória. Se fosse assim, todos terminariam empatados. É preciso estudar, analisar e pensar em rotas alternativas e possibilidades de mudanças, considerar ciclo histórico de navegação dos locais onde o barco se localiza etc.

   Sinceramente, quando surgiu o Zezo, tive uma aversão imediata aos roteadores. Porque eu tinha, digamos, um certo dom de observar as previsões e traçar em minha mente uma rota, e usar o VRTool para traçá-la. Tanto que meus melhores resultados foram antes do surgimento do Zezo. Na Volvo Ocean Race 2011-12, o Zezo só começou a oferecer roteamento para essa regata depois de iniciada. Sem consultá-lo, depois de percorrer aproximadamente 3.000 a 4.000 milhas marítimas, ao passar num ponto de contagem em Fernando de Noronha, meu barco estava em 3º lugar. Na atualidade, fui obrigado a abandonar o VRTool, onde eu criava e estudava as rotas, e passar também a consultar roteadores. Contudo, usar bom senso e analisar a rota continua muito importante.

Malandragens em regatas virtuais

Alguns espertinhos (hackers) já criaram barcos autômatos, navegando sozinhos e seguindo continuamente as previsões meteorológicas com precisão. Não venceram regatas, mas sempre estiveram bem colocados. Na Volvo Ocean Race de 2011-12, um roboat conseguiu me superar em uma das pernas, mas foi desclassificado ao ser descoberto, assim ganhei uma posição (de 5º passei para 4º). Inacreditavelmente, era o barco do Cvetan, do Zezo. Outro roboat foi criado por um espanhol, e o barco chamava-se ZamZamRanzam (ou algo parecido), igualmente descoberto e desclassificado (também passou pelo meu barco uma vez, e assim, novamente ganhei uma posição em outra etapa (de 11º para 10º). Em razão disso, hoje em dia existem muitas medidas preventivas contra os hackers no Virtual Regatta, impedindo esse tipo de golpe com um sistema de detecção para os roboats, mas nunca se sabe. Hackers são hábeis, não é mesmo? De qualquer modo, acredito que atualmente estamos bem mais seguros quanto a isso do que há poucos anos.

Nosso velejador virtual

 
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Foto: Arquivo pessoal

*Roberto Negraes é jornalista especializado em náutica e navegação, um dos pioneiros do setor. Em sua primeira participação numa regata virtual, conseguiu um 8º lugar numa das etapas da Volvo Ocean Race de 2008-09. Depois disso, passou a praticar e tornou-se o melhor brasileiro e participante do continente americano durante anos, vencendo etapas de regatas internacionais como a Velux Five Oceans em 2010, vencendo na categoria SO (sem equipamentos extras) uma Solitaire du Figaro, 2º lugar na Cap-Istambul de 2010, e terminando entre os Top 10 em 16 grandes eventos internacionais. Na Volvo Ocean Race de 2011-12, esteve em 2º lugar até a sexta etapa, infelizmente não deu sorte nas duas últimas pernas e finalizou em 5º lugar entre 330 mil participantes de 184 países. Depois disso, parou de competir desde 2012, mas retornou agora às regatas virtuais, participando inicialmente de regatas como testes, para adaptar-se (a tecnologia desenvolveu-se muito nos últimos anos).