Como manobrar uma lancha

Foto: Adam Seckel/Unsplash

Foto: Adam Seckel/Unsplash

Pilotagem sem mistérios

Por Marcio Dottori

Olho no vento e na correnteza

Com uma forcinha da Natureza e sabendo os princípios básicos de manobras, encostar um barco no píer é mais fácil do que parece

Está enganado quem acha que conduzir uma embarcação exige conhecimentos apurados de náutica. Pilotar uma lancha não é muito diferente de dirigir um automóvel: ao mudar de direção, por exemplo, deve-se olhar para os bordos para ver se não existe outra embarcação por perto; em canais, deve-se permanecer à direita (boreste), assim como os carros na maior parte do mundo. A diferença básica é a forma como a correnteza da água e o vento afetam os barcos, que, salvo raras exceções, não têm freio imediato e derrapam nas curvas. As tarefas mais difíceis para os iniciantes são colocar a lancha na carreta, encostar no píer e sair com o barco (atracar e desatracar). Para isto, além dos princípios básicos de manobra, é preciso conhecer as reações da embarcação e, claro, praticar bastante. Confira, aqui, como fazer.

Usando a natureza

Antes de mais nada, todo marinheiro deve sempre lembrar-se de utilizar as forças da natureza a seu favor. Como? Ao jogar a âncora, pegar a boia ou atracar num cais, posicione o barco de modo a receber pela proa o vento e/ou a correnteza, que podem funcionar como um freio natural, fazendo com que o barco afile (se alinhe) naturalmente a ambos. Esta é a parte mais importante em qualquer manobra.

A propulsão

Tipos de propulsão

Eixo fixo (eixo e pé-de-galinha)

Geralmente, o motor fica próximo ao centro do barco, ligado a um eixo preso na extremidade traseira com um mancal chamado de pé-de-galinha. O leme é independente do hélice.

Motor de popa

O conjunto motor e rabeta fica preso no espelho de popa do barco. O hélice vira junto com o motor.

Motor de centro-rabeta

O motor fica dentro do barco (geralmente na popa) e a rabeta é presa no espelho de popa. O hélice gira junto com a rabeta e tem o mesmo efeito que o motor de popa na manobra.

Propulsão hidrojato

A propulsão é por bomba d'água (hidrojato), e não por hélice, e a saída da bomba faz as vezes de leme do barco.

A força do hélice

Além de empurrar o barco para frente ou para trás, o hélice também gera uma força lateral, devido à diferença de pressão da água entre as pás. Por isto, a popa tende a ir para o bordo que o hélice gira; e, consequentemente, a proa vai para o lado oposto. Esse efeito do hélice é mais sensível quando o barco está parado e começa a se mover.

Exemplo: em barcos com hélice de passo direito (quando, olhando a embarcação pela popa, o hélice gira para a direita em marcha a vante), recomenda-se atracar por bombordo, porque o hélice vai girar para a esquerda em marcha a ré, puxando a popa para bombordo em direção ao cais.

Barco com eixo fixo

A regra básica para qualquer tipo de propulsão é que, em marcha a vante, a proa sempre guinará para o bordo que estiver o leme. Em barcos com leme grande, em marcha a ré, depois que a embarcação adquirir seguimento, a popa vira para o bordo que o leme estiver (se o leme estiver a boreste, o barco irá para boreste, em marcha a vante ou em marcha a ré).

Lancha com eixo fixo

Lancha com eixo fixo

Leme a boreste, a proa vai para boreste

Leme a boreste, a proa vai para boreste

Em um barco com eixo fixo, deve-se levar em conta que em marcha a ré, partindo da imobilidade, o efeito do hélice predomina sobre a ação do leme. Então, partindo da imobilidade, a popa irá primeiro para o bordo para o qual o hélice gira; e somente após a embarcação ganhar seguimento é que a popa guinará para o bordo que o leme estiver virado.

Bow e stern thruster

Bow thruster: um auxiliar nas manobras de atracação

Bow thruster: um auxiliar nas manobras de atracação

Bow thruster instalado no fundo de um casco. Foto: Nol Aders-commons.wikimedia.org

Bow thruster instalado no fundo de um casco. Foto: Nol Aders-commons.wikimedia.org

Para ajudar na docagem de barcos com eixo fixo (como trawlers), existe uma propulsão auxiliar chamada bow thruster, conhecido também como propulsor de manobra de proa. Embutido na proa, num túnel perpendicular ao eixo da embarcação, esse equipamento gera uma pequena impulsão e permite guinar a frente do barco para qualquer bordo. Isso facilita as atracações em marinas apertadas. Existe também o propulsor lateral para a popa (stern thruster).

Barco com um motor de popa ou de centro-rabeta

O efeito do hélice é notável em qualquer embarcação, mas manobrar um barco com um motor de popa ou de centro-rabeta (a grande maioria das lanchas de comprimento menor que 9 m) é muito mais fácil que um outro com eixo fixo, pois é o próprio hélice que gira, levando a popa para o bordo que o propulsor estiver. Em marcha a vante, virando-se o motor ou a rabeta para um bordo, a proa guinará rapidamente para este bordo. Em marcha a ré a popa geralmente guinará para o bordo que estiver o motor, mas com muito menor rapidez do que em marcha a vante. Isso ocorre porque, normalmente, os hélices utilizados em lanchas rápidas são pouco eficientes em marcha a ré.

Marcha a ré: se o motor estiver virado para bombordo, a popa vai para bombordo

Marcha a ré: se o motor estiver virado para bombordo, a popa vai para bombordo

Marcha a vante: se o motor estiver virado para boreste, a proa vai para boreste

Marcha a vante: se o motor estiver virado para boreste, a proa vai para boreste

Alguns barcos em marcha a ré não direcionam a popa para o mesmo lado do motor porque a força lateral do hélice predomina, principalmente quando o ângulo de virada do motor ou da rabeta é pequeno. Para eliminar o efeito desse empuxo lateral (e para melhorar a eficiência da propulsão), alguns fabricantes, como a Volvo e a Mercruiser, produzem rabetas com dois hélices contrarrotantes no mesmo eixo.

As rabetas com hélices contrarrotantes eliminam...

As rabetas com hélices contrarrotantes eliminam...

...a força lateral e facilitam a manobra

...a força lateral e facilitam a manobra

Barco com dois motores, dois eixos e dois lemes (a maioria das lanchas acima de 9 m)

Embarcações com dois eixos oferecem a vantagem de guinar independentemente dos lemes, utilizando-se somente os propulsores. Esses barcos têm hélices que normalmente giram para fora (o de boreste para a direita e o de bombordo para a esquerda, ou seja, contrarrotantes, mas cada um em um eixo, diferentemente dos hélices contrarrotantes utilizados em rabetas, que ficam no mesmo eixo). Quando apenas um dos propulsores é acionado, o barco tende a guinar para um dos bordos.

Por exemplo: quando o motor de bombordo é posto a vante, a proa vai para boreste, e vice-versa. Em marcha-à-ré, a proa sempre segue para o bordo do motor acionado e a proa vai ao contrário. Se você é iniciante em manobras, o ideal é deixar os lemes a meio e usar somente os motores para vante ou para ré sem acelerar. Esse procedimento evita confusões. Com a prática, acostuma-se a usar os aceleradores e os lemes.

Uma maneira prática de visualizar isso é pegar um livro grande, deixá-lo numa mesa e com as mãos posicionadas nos cantos inferiores simular o efeito dos propulsores.

Veja a reação do barco nas seguintes situações:

1 Com lemes a meio, motor de bombordo em neutro (ponto morto) e motor de boreste a vante, a proa vai para bombordo e o barco se movimenta em círculos, devagar.

2 Com lemes a meio, motor de boreste em neutro e motor de bombordo a vante, a proa vai para boreste e o barco se movimenta em círculos, devagar.

3 Com lemes a meio, motor de bombordo em neutro e motor de boreste para trás (em marcha a ré), a popa vai para bombordo, a proa vai para boreste e o barco se movimenta em círculos, devagar.

4 Com lemes a meio, motor de boreste em neutro e motor de bombordo para trás, a popa vai para boreste, a proa vai para bombordo e o barco se movimenta em círculos, devagar.

5 Com lemes a bombordo, motor de bombordo em neutro e motor de boreste a vante, a proa vai para bombordo rapidamente e o barco se movimenta em círculos.

6 Com lemes a boreste, motor de boreste em neutro e motor de bombordo a vante, a proa vai rapidamente para boreste e o barco se movimenta em círculos.

7 Com lemes a meio, motor de boreste a vante e motor de bombordo para trás, a embarcação gira sobre seu próprio eixo para bombordo. Se virar os lemes para bombordo, o giro é mais rápido, embora a popa vá levemente para boreste.

8 Com lemes a meio, motor de boreste em marcha a ré e motor de bombordo a vante. Reação do barco: a embarcação gira sobre seu próprio eixo para boreste. Se virar os lemes para boreste, o giro é mais rápido, embora a popa vá ligeiramente para bombordo.

Motos aquáticas, jetboats e outros barcos com propulsão hidrojato

Jetboats e lanchas de fundo chato com propulsão hidrojato...

Jetboats e lanchas de fundo chato com propulsão hidrojato...

...derrapam e é preciso usar o acelerador para fazer as curvas

...derrapam e é preciso usar o acelerador para fazer as curvas

Quando a propulsão de uma embarcação se dá por bomba d'água (como é nas motos aquáticas, jetboats e outros barcos com propulsão hidrojato), o comportamento em manobras depende muito da rotação do motor, porque a saída da bomba atua como leme do barco. Isso torna a pilotagem mais sensível e diferente de embarcações impulsionadas por hélices. É por isso que, se não usar o motor, um barco com esse tipo de propulsão não faz curva.

Muitos jetboats têm uma superfície plana no fundo do casco, na popa. Isso ajuda na captação de água para a bomba, mas deixa a popa deslizar em curvas. Portanto, deve-se levar essa característica em conta ao manobrar barcos com propulsão hidrojato, porque derrapam em curvas e, se o timão for virado totalmente para um dos bordos, podem dar cavalo-de-pau.

Já, em marcha a ré, a grande maioria dos jetboats manobra ao contrário dos barcos com motor de popa e de centro-rabeta: ao virar o timão para boreste, a popa vai para bombordo e vice-versa. Muitos jetboats podem dar ré instantaneamente. Basta inverter o fluxo de água da bomba para a frente do barco. Embora não cause danos mecânicos no propulsor, essa manobra não deve, jamais, ser feita em alta velocidade, porque pode arremessar algum ocupante do barco violentamente para a frente. O princípio é o mesmo dos aviões a jato: na marcha a ré, há uma concha atrás da bomba que desvia a corrente de descarga (neste caso, o jato d’água) para a frente, o chamado reverso.

 

Lembre sempre estas dicas:

1 Toda manobra deve ser feita devagar, evitando-se ao máximo dar trancos na propulsão.

2 Dependendo do tipo de hélice, o barco reage mais rápido em marcha a vante do que em marcha a ré.

3 Barcos com dois motores de popa ou com dois motores de centro-rabeta são pouco eficientes em marcha a ré e manobram melhor a ré quando se viram os dois motores ou as duas rabetas para o mesmo lado (como se fossem um único motor).

4 Com dois motores de popa ou de centro-rabeta, tem-se a vantagem de poder virar os motores, mas, principalmente em marcha a ré, a resposta é mais lenta do que com dois motores com eixo e pé-de-galinha.

 

Atracação

Para atracar num cais a contrabordo (de lado)

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  1. Mantendo-se sempre de proa para o vento e/ou a correnteza, aproxime-se devagar, jogando a proa para o cais de maneira a formar um ângulo de 15 a 20 graus entre o barco e o píer.

  2. Prenda as defensas no costado, na altura do píer, e pelo menos uma na proa, outra na popa e outra a meia-nau. As defensas servem para proteger o casco. Não economize em defensas, lembrando que quanto maiores, melhor é a capacidade de amortecimento junto ao cais.

  3. Deixe a proa quase tocar o cais e vire o leme para o bordo contrário ao píer, deixando que a popa de aproxime até que o barco encoste no cais. Quase sempre, será necessário dar marcha-à-ré para finalizar esta manobra, exceto se o vento ou a correnteza atingirem o barco fortemente pela proa.

  4. Se o barco tiver um motor de popa ou de centro-rabeta, vire o motor ou a rabeta para o cais e dê ré devagar, para ajudar a encostar a popa. Às vezes, é necessário ir a vante e a ré várias vezes até atracar.

  5. Mantendo-se sempre de proa para o vento e/ou a correnteza, aproxime-se devagar, jogando a proa para o cais de maneira a formar um ângulo de 15 a 20 graus entre o barco e o píer. Prenda as defensas no costado, na altura do píer, e pelo menos uma na proa, outra na popa e outra a meia-nau. As defensas servem para proteger o casco. Não economize em defensas, lembrando que quanto maiores, melhor é a capacidade de amortecimento junto ao cais.

  6. Deixe a proa quase tocar o cais e vire o leme para o bordo contrário ao píer, deixando que a popa de aproxime até que o barco encoste no cais. Quase sempre, será necessário dar marcha-à-ré para finalizar esta manobra, exceto se o vento ou a correnteza atingirem o barco fortemente pela proa.

  7. Se o barco tiver um motor de popa ou de centro-rabeta, vire o motor ou a rabeta para o cais e dê ré devagar, para ajudar a encostar a popa. Às vezes, é necessário ir a vante e a ré várias vezes até atracar.

Barcos com dois motores atracam a contrabordo fazendo a aproximação com o motor de dentro (do lado do cais), virando-se os lemes para fora (do lado oposto ao cais). Para encostar a popa, pode-se dar a vante com o motor de dentro e marcha a ré com o motor de fora.

Os cabos utilizados para amarrar o barco ao cais chamam-se espias ou bocas. Barcos com mais de 9 m de comprimento ficam mais bem amarrados quando se usam espringues além dos lançantes. Os traveses servem para aproximar a embarcação do cais e só devem ser usados em cais flutuantes. Se o píer for fixo, deve-se regular os cabos conforme a variação da maré.

Atracação de popa

Normalmente, costuma-se atracar de popa, por conta do reduzido espaço no píer. Para isso, coloque defensas nos dois bordos e na popa do barco.

Algumas marinas têm duas estacas delimitando cada vaga e outras têm uma poita (bloco de concreto), geralmente marcada por uma boia ou por um cabo preso ao píer. Essas estacas e poitas servem para amarrar a proa.

Para atracar, deixe o barco perpendicuar à vaga e dê marcha a ré devagar. Se houver vento ou correnteza pelo través (lateral), o barco irá encostar um bordos na embarcação que estiver a sotavento (lado por onde o vento “sai”).

Assim que o barco estiver no lugar, prenda a popa, de preferência cruzando as espias (espringues).

A seguir, amarre a proa. Não deixe as espias muito esticadas, lembrando que, se o cais de amarração não for flutuante, os cabos devem ser ajustados para a maré baixa. Caso contrário, as espias poderão estourar ou o barco ficar pendurado ou quebrar os cunhos de amarração.

Se não houver estacas ou poitas, jogue a âncora na proa.

Pode-se atracar também de proa para o píer, jogando a âncora na popa.

Corrente e/ou vento perpendicular ao cais empurrando o barco para o píer

Quando a corrente e/ou vento empurra o barco para o píer, basta colocar as defensas, posicionar a embarcação em frente à vaga e aguardar que essas forças encostem o barco. Para facilitar a manobra de desatracação, recomenda-se jogar uma âncora na popa, a fim de ajudar a afastá-la do cais na saída. Se a correnteza e/ou o vento estiverem muito fortes, prensando o barco contra o cais, pode-se jogar também uma âncora na proa.

Corrente e/ou vento perpendicular afastando o barco do píer

Para atracar a contrabordo com a correnteza e/ou vento vindo do cais, coloque as defensas e aproxime-se lentamente, fazendo um ângulo de 15 a 20 graus com o cais. Assim que encostar a proa, passe um espringue de vante e deixe o motor engatado a vante, devagar. Se o barco tiver dois motores, deixe o que estiver do lado do píer engatado a vante. Essa manobra mantém a embarcação junto ao cais até que se prendam as outras espias.

Como desatracar

Para deixar o cais, se a embarcação for pequena (até 7 metros, ou 23 pés), basta soltar as amarras e dar um empurrãozinho para fora. Já em barcos maiores, a utilização dos motores é fundamental, embora uma “mãozinha” também possa ajudar. O ideal em toda desatracação é afastar a popa do cais para proteger hélice e leme.

Barco com dois motores

Embarcações com dois propulsores afastam a popa do cais quando se dá marcha a ré com o motor do lado do cais. Nesse caso, é necessário ter espaço a ré, porque, além de afastar a popa do cais, o barco se move para trás.

Se houver pouco espaço à ré, pode-se virar o leme para o lado do cais, colocar o motor de fora do cais em marcha a vante por alguns segundos e, depois, dar marcha a ré com o motor de dentro. Nessa manobra, a proa normalmente encosta no píer, sendo necessário o uso de defensas ou “uma mãozinha”.

Sair para a frente usando somente o motor do lado do cais só é possível se houver bastante espaço a vante.

Barco com motor de popa ou de centro-rabeta

Com esses tipos de propulsão, a manobra padrão quando não houver espaço na frente do barco é simplesmente virar o motor para fora e dar marcha a ré devagar.

Barco com um motor e eixo fixo

Embarcações com um eixo fixo são as que têm menos recursos de manobra. É necessário um bom espaço na frente do barco (cerca de dois comprimentos da embarcação. O melhor é sair devagar em marcha a vante e, lentamente, virar o leme para fora, para ir se afastando do cais (não se pode carregar o leme todo para fora, para a popa não bater no píer).

Se não houver espaço para manobrar, o jeito é jogar uma âncora na popa para afastá-la do cais, mantendo um espringue na proa para auxiliar na manobra.

A influência das espias na desatracação

Barcos pesados (de comprimento maior que 12 m) com um motor e eixo fixo podem desatracar usando somente as espias, desde que haja correnteza e/ou vento paralelo ao cais.

Se o vento e/ou a correnteza atingirem o barco pela proa, deve-se deixar o espringue de popa por último para afastar a proa do cais sem que o barco vá para trás.

Se o vento e/ou a correnteza atingirem a embarcação pela popa, deve-se largar por último o espringue de proa. Desta maneira, a popa afasta-se do cais sem que o barco vá para a frente.