Cape2Rio 2023

Largada da Cape2Rio 2023, com o catamarã estadunidense Norhi à frente. Foto: Alec Smith - @imagemundi

Famílias em disputa

da África do Sul ao Rio de Janeiro

Por Roberto Negraes

Pode uma regata oceânica ser também um evento familiar? Com certeza!

A prova de que uma tradicional regata oceânica intercontinental pode ser ao mesmo tempo um evento familiar são as tripulações dos catamarãs Norhi (EUA) e Aventureiro 4 (Brasil), respectivamente vencedor e vice da Cape2Rio 2023.

Depois que os líderes da line honours chegaram ao Rio de Janeiro no sábado, 21 de janeiro, nada como uma boa confraternização entre as duas equipes. Principalmente porque em ambos os veleiros viajaram as famílias dos comandantes, Larry Folsom (Norhi) e Hans Hutzler (Aventureiro 4). Uma festa entre adultos e crianças para comemorar o término da regata. Em tempo, Michel Kavannagh, com o Ray of Light, primeiro a chegar entre os monocascos, às 23h12 do dia 23, também trouxe como tripulantes a família.

O barco que recebeu a fita azul desta Cape2Rio e venceu entre os multicascos é um catamarã Balance 536, tão novo que terminou de ser construído justamente a tempo para a regata. Seu comandante é o americando Larry Folsom, que veio com oito tripulantes, metade deles a própria família: sua esposa Norhi (a quem homenageou com o nome do barco) e seus dois filhos, Dylan (de 15 anos) e Alexa (de 12 anos). Completam a tripulação Campbell Field como navegador, Warwick “Waza” Kerr, Scott Zebny e Catherine Fryer.

O segundo veleiro a chegar ao Rio foi o catamarã brasileiro Aventureiro4, um Outremer 51, do pernambucano Johan “Hans” Hutzler, também com a família a bordo, sua esposa Karina e o filho Felipe, mais amigos completando a tripulação. O Aventureiro 4 é tem comprimento total de 15,64m (51 pés) e boca de 7,43m. Construído na França, teve como viagem inaugural sua primeira travessia transatlântica, quando foi trazido para o Brasil pelo Hans Hutzler, também em companhia de Karina e Felipe (então com 8 anos), além dos amigos Rafael Chiara e Paulo Carvalho. Em seu curto currículo de regatas, o Aventureiro 4, desde que chegou ao Brasil, esteve sempre se destacando, como na última Refeno (Regata Recife–Fernando de Noronha), de 2022, quando apenas com seu comandante a bordo, o Aventureiro 4 foi o fita azul, além de vencer todas as regatas entre os multicascos na Semana de Vela de Ilhabela.

Foram 16 os veleiros que deixaram o Royal Cape Yacht Club (RCYC), na Cidade do Cabo (África do Sul), no dia 2 de janeiro, com destino ao Iate Clube do Rio de Janeiro, na disputa pelo lindo troféu oferecido pelos sul-africanos.

Monocascos

O comandante Michel Kavannagh, do veleiro sul-africano Ray of Light, fita azul entre os monocascos, afirmou ainda na Cidade do Cabo, que estão ansiosos por conhecer o Rio de Janeiro e a ilha Grande, onde pretende passar alguns dias.

Após uma disputa apertada até os momentos finais rumo ao Rio, o Ray of Light acabou por ultrapassar o compatriota Atalanta, um JPK 1030, com 10,34 m de comprimento, boca de 3,24 metros, único inscrito monotripulado nesta Cape2Rio 2023. Com grande experiência em regatas oceânicas internacionais, seu comandante, Peter “Padda” Kuttel, já participou de duas regatas de volta ao mundo Whitbread (atual Ocean Race) e em quatro Cape2Rio.

O Atalanta chegou uma hora depois do Ray of Light, garantindo-se em primeiro lugar nas categorias IRC e ORC. O Ray of Light está em terceiro lugar no quadro provisório de classificação, atrás do Alexforbes/Arch Angel, previsto para chegar na tarde do dia 26.

O Alexforbes/Arch Angel é um barco Lavranos 1 Tonner, de 10,96 m de comprimento e 3,77 m de boca, tripulado por seis jovens formados pela Academia de Vela do Royal Cape Yacht Club, oriundos de comunidades carentes.

O quinto a cruzar a linha de chegada foi outro monocasco, o brasileiro Audaz II, um veleiro de alumínio de 16 metros (projeto Finot). Comandado por Julio Lucchesi, navegador com experiência em travessias transatlânticas e cruzeiros de longa distância, o veleiro teve mais dois tripulantes, Décio Maia e Gustavo Lis. Décio é biólogo marinho com experiência em vela, canoagem, kitesurf e remo. Já Gustavo trabalha com tecnologia da informação e navega desde 1984, em cruzeiros pelo Caribe e costa brasileira.

Menos de meia hora após o Audaz II, que ficou em quarto lugar no quadro das categorias IRC e ORC, foi a vez do monocasco italiano Translated9, dos irmãos Vittorio (skipper) e Nico (navegador) Malingri. O barco é um Swan 65 construído em 1974, que logo depois participou da regata de volta ao mundo Whitbread como primeiro barco comandado por uma mulher, Clare Francis, na história dessa célebre regata. Outra curiosidade a respeito do Translated9, quinto lugar na classificação dos monocascos, é que os tripulantes, novatos em regatas oceânicas, foram selecionados entre mais de mil candidatos amadores.

Três barcos se retiraram da regata. Os demais ainda se encontram a grande distância do Rio de Janeiro e não é possível prever ainda a classificação (veja os resultados provisórios aqui). Os barcos que ainda não chegaram e continuam competindo na Cape2RIo: Nemesis, Argonaut, Alexforbes/ArchAngel, Sterna, Faros, Felix e Nyamazela.

História da regata

Esta competição internacional transatlântica é realizada desde 1971, a cada três anos, e é também conhecida como "South Atlantic Yacht Race". É a única regata internacional disputada no Atlântico Sul, idealizada para encorajar os velejadores sul-africanos a tentar travessias oceânicas. Contudo, logo atraiu grande interesse internacional, e desde o primeiro evento recebe competidores não apenas originários da África do Sul e do Brasil, mas também europeus e americanos.

Embora seja mais conhecida como Cape to Rio Race, às vezes a regata tem como destino outras cidades da América do Sul, incluindo Punta del Este (Uruguai) e mais recentemente Salvador (Bahia). A Cidade do Cabo sempre foi o ponto de partida da corrida.

A utilização de diferentes portos para a chegada fez com que a distância da regata variasse entre 3.400 e 4 500 milhas (3.400 milhas é a distância calculada para o Rio de Janeiro). Depois de deixar a Cidade do Cabo, os participantes geralmente se dirigem para noroeste, em direção à Ilha da Trindade, e de lá para sudoeste em direção à América do Sul, de modo a contornar o sistema de alta pressão permanente junto da costa africana.

Os prêmios são atribuídos ao primeiro concorrente a cruzar a linha, a quem estabelecer novos recordes, bem como aos três primeiros nas classes de handicap.

Como surgiu

Em 1968, o veleiro sul-africano Voortrekker, comandado por Bruce Dalling, (falecido em 2008) foi o segundo barco a cruzar a linha de chegada e foi vencedor pelo handicap na Observer Single-handed TransAtlantic Race –OSTAR, regata entre Plymouth (Inglaterra) e Newport (EUA). O sucesso deste barco o transformou em um símbolo nacional para os sul-africanos e deu um grande impulso à navegação na África do Sul.

Quando o Voortrekker retornou à Cidade do Cabo após uma temporada de regatas na Europa, foi doado para uso da Marinha Sul-Africana. Durante a cerimônia de entrega, o vice-almirante HH Biermann sugeriu que a África do Sul tivesse sua própria regata oceânica, para a Austrália ou para a América do Sul. Surgiu assim a South African Ocean Racing Trust, entidade que entrou imediatamente em ação. Em cooperação com o Iate Clube do Rio de Janeiro e organizada também em conjunto com a Associação de Cruzeiros da África do Sul (CASA), a regata aconteceu pela primeira vez em 1971, em data que permitiria que a chegada coincidisse com o carnaval.

Assista ao vídeo comemorativo dos 50 anos da Cape2Rio: