Mauro Dottori

Mauro Dottori (de boné), a bordo do seu atual veleiro. Fotos: Arquivo pessoal e Aline Bassi - Balaio

O prazer das

regatas

Por Roberto Negraes

Destaque na vela oceânica paulista, na classe C30, Mauro Dottori fala da sua paixão pelas competições

Como começou a velejar?

Comecei aos seis ou sete anos de idade, em companhia do grande amigo Flávio Catanhede. Nós frequentávamos o São Paulo Yacht Club, na Guarapiranga, onde o pai do Flávio, o Hilvir Catanhede, nos desvendava os segredos da vela. E minha primeira regata foi com meu primeiro veleiro, um Hobie Cat 14. Além do Hobie Cat, competi muito de Snipe, pois estudei no Colégio Naval, em Angra dos Reis, onde entrei na equipe de vela. Depois do meu Hobie Cat, passei para um 470.

E em classes oceânicas?

Como frequentador de Ubatuba, acabei entrando para o Ubatuba Iate Clube, e comecei a velejar junto com o Flávio em veleiros maiores, primeiro num 27 pés, e depois, mais assiduamente, com um Velamar 29, o Voodoo. Foi quando a vela entrou no sangue. Ganhamos várias regatas, e ainda no final dos anos 1980 participei da tripulação do Hamilton Prado nos barcos Nomad, Blue Chip e Day Dream. Infelizmente, em 1990, parei de velejar, retornando somente em 2010. Como se pode ver, minha atividade na vela teve altos e baixos, mas a paixão pelo esporte nunca se apagou, mesmo com essa pausa de vinte anos.

Como foi a volta às regatas?

Meu retorno às regatas, em 2010, foi em parceria com um amigo também da Praia do Lázaro, o Renato Vita. Ele tinha um bom veleiro, mas o barco dele era de cruzeiro. Resolvemos comprar um veleiro pequeno, um Neo 25, o Conquista. Descobri então que velejar é como andar de bicicleta, a gente nunca esquece, pois começamos a ganhar quase tudo. Animado, comprei um Multimar 32, nome Nomad, bom barco, mas com um problema: a questão de rating. Realmente, o assunto rating gera discussões. Por exemplo, considerei injusto o rating dado ao meu veleiro. Mesmo assim, em 2012 ganhei a Copa Ilhabela. De qualquer modo, decidi que iria competir em barcos de classe única, sem essa questão de rating.

Na classe C30 você hoje é um destaque, acumulando vitórias e títulos. Como foi o começo?

Um dia, conversando no restaurante do clube, eu disse que achava os C30 interessantes, Na mesa ao lado, estava o Marcelo Massa, um grande amigo, dono de um C30, o Loyal, de numeral 05. Ele me ofereceu seu barco, fiquei imediatamente interessado e logo fechamos negócio. Isso no fim de 2012. Logo na primeira regata, ganhamos, e daí por diante adorei a classe, estava livre dos ratings e suas eternas discussões! Uma curiosidade: o nome do barco foi sugestão de meu filho, numa referência a uma marca de vinho. Gostei, era espirituoso, e assim meu C30 passou a se chamar Caballo Loco!

E como se tornou um campeão?

Em 2019, eu pensava comigo “Já estou ficando velho e vou passar nessa classe sem nunca ganhar um título principal? Vou vencer apenas uma ou outra regata?” Muito treino, e então aconteceu: vencemos a Copa Ilhabela daquele ano (chamada Suzuki-Mitsubishi) e também o Brasileiro da C30, ganhamos ainda em Santa Catarina e o primeiro Circuito Rio em que a C30 teve participação. Foi uma realização! Papamos tudo, né? Como a C30 é muito competitiva, foi uma grande alegria, pois embora com bons resultados, nunca havia conseguido um título de campeonato!

Qual a importância da tripulação?

Toda regata é diferente uma da outra, pois variam as condições de mar, de ventos, ondas, tudo muda. O que faz uma grande diferença. Cada regata tem sua história. Às vezes, você está disputando com um barco e, de repente, outro vai e passa. Então, além das variações climáticas, tem as escolhas estratégicas. Uma coisa é certa: com uma tripulação sem treino, ninguém ganha. As equipes precisam de grande entrosamento, e isso se consegue com no mínimo um ano inteiro de treinos. Mudar um único tripulante pode causar uma perda de rendimento, exigindo novos treinos. E mudanças de tripulantes acontecem até com certa frequência, por diversos motivos, principalmente em razão da vida profissional ou mesmo pessoal. Uma vez entrosada, em uma boa equipe não é necessário ninguém falar nada, todos sabem o que fazer, e quando se troca um tripulante é preciso treinar e integrá-lo o mais rápido possível.

Existem diferenças entre os barcos da C30?

Apesar de os C30 terem um só desenho, pequenas diferenças podem acontecer, como de peso, mas são ínfimas. Recentemente, a classe abriu para mais de um fabricante de vela. Particularmente, não gostei. Em minha opinião, deveriam ser todas iguais; mas não são esses pequenos detalhes que irão interferir no resultado final. Como eu disse anteriormente, é a tripulação, o fator humano, que faz a diferença numa classe one design. Como exemplo, recentemente uma regata com seis participantes teve duração de três horas, e quatro barcos terminaram com uma diferença de apenas quarenta segundos! É faca nos dentes desde a largada, todo mundo em iguais condições. Isso demonstra o excelente equilíbrio existente na C30.

E rivalidades?

Durante uma regata, a gente quer matar o cara. Fora dela, só pode haver solidariedade. Ajudamos se alguém está com problemas na regulagem do barco, fornecemos moitões para quem teve o seu quebrado (mesmo durante regatas), até vela já emprestei. Enfim, todos se apoiam. Durante a regata contudo, somos rivais mesmo, protestamos, às vezes a gente tem vontade de matar o outro no calor do momento, mas desembarcando em terra, conseguimos voltar a esta solidariedade total. Na verdade, a classe é muito unida e arrumada, o que faz uma grande diferença.

Qual sua preferência, barla-sota ou percurso?

Barla-sota. É mais técnica. As de percurso podem ter interferência da sorte. Participei de uma Santos–Rio e não pretendo mais fazer isso.

Qual a razão de sucesso da classe C30?

A maior razão é que tem se mantido unida. Quanto entrei na C30, já havia regras, estabelecidas pelo Marcelo Massa, e quem me ajudou muito foi o Bochecha (André Fonseca) a me integrar na classe. Quando ele saiu, me tornei presidente da C30, depois outros me seguiram. Mas o que nos mantém unidos é todos os comandantes compreenderem que a rivalidade só existe na água.

Outra coisa importante é que nosso país vem empobrecendo em função do dólar. Cada vez é mais difícil se comprar barco, pois os custos são praticamente em dólar, subiram demais. É natural que alguns comandantes parem de participar, enquanto outros têm interesse em entrar. Apesar do problema de custos, durante as regatas, principalmente em Santa Catarina, todos querem assistir é a C30. Também em Ilhabela, nossos barcos são uma grande atração à parte, pelo desempenho, que é muito bom. Com ventos de 15 a 20 nós, andamos mais rápido que veleiros bem maiores, de mais de 40 pés. Assim, embora novas embarcações não tenham sido construídas, as existentes estão sempre ‘afiadas’, em ótimas condições, e as disputas acirradas são uma atração para o público. E para o comandante, como eu, é simplesmente delicioso correr de C30.

Para finalizar, como se tornou diretor do Yacht Club de Ilhabela?

Eu me considero quase ubatubense, pois meu pai construiu uma casa na Praia do Lázaro quando eu e meus irmãos éramos muito jovens, em 1965. Desde então, sempre frequentei Ubatuba, e amo aquele lugar. Quando retornei à atividade da vela, em 2010, como as regatas mais significativas aconteciam em Ilhabela, fui participando com tanta assiduidade das regatas na ilha que acabei convidado para ser o diretor de vela do Yacht Club de Ilhabela — isso apesar de minha base continuar sendo, até hoje, em Ubatuba.