Ataques de orcas

Foto de Greg Blackburn, durante ataque de orcas a seu barco

Orcas afundam veleiros na Europa

Por Roberto Negraes

Há três anos, as chamadas “baleias assassinas” passaram a atacar barcos a vela

Um mistério intrigante. Orcas, tradicionalmente pacíficas em encontros com barcos, passaram a atacar, danificar e até mesmo afundar veleiros. Esta inesperada história de ataques por orcas começou em 2020, quando um grupo das —assim chamadas popularmente há séculos— “baleias assassinas”, começou a agir de maneira estranha e agressiva, investindo contra os lemes de veleiros em águas de Portugal e Espanha, causando danos a ponto de os comandantes dos barcos terem de pedir reboque.

Apesar de as orcas —espécie aparentada com golfinhos, e não com baleias, e seriamente ameaçada de extinção— serem mais abundantes nas águas geladas dos hemisférios sul (na Antártica) e norte (Noruega e Alasca), podem ser encontradas também em águas tropicais e subtropicais —já foram, inclusive, avistadas no Canal de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo.

Nas áreas onde ocorreram ataques, calcula-se que exista uma pequena população fixa de 50 orcas, vivendo próximo às costas portuguesa, espanhola e do Estreito de Gilbraltar (que separa o Oceano Atlântico do Mediterrâneo).

A bordo de um veleiro, pessoas observam tranquilamente uma orca. Cientistas buscam explicação para ataques ocorridos na Europa. Foto: pxfuel.com

A primeira notícia

O primeiro incidente relatado aconteceu em julho de 2020, durante o verão no hemisfério norte; o mais recente, em 25 de maio passado. De acordo com estatística do serviço de salvamento de Portugal, 456 barcos (quase a totalidade veleiros, e uns poucos barcos de pesca) foram atacados até o início de 2023, resultando no naufrágio de três veleiros, que tiveram seus tripulantes resgatados pelos serviços de socorro marítimo de Portugal e da Espanha.

Jornais, principalmente da Europa, passaram a dar destaque às ocorrências, com títulos sensacionalistas, do tipo Baleias assassinas realizam ataques “orquestrados” contra veleiros. Apesar da descrença inicial dos estudiosos dessa espécie, em pouco tempo vídeos compartilhados milhares de vezes nas mídias sociais mostravam com detalhes os ataques. Assim, teve início uma investigação científica, ainda em andamento, para descobrir o que está levando as orcas —tidas como mamíferos marinhos complexos, inteligentes e altamente sociais— a se comportarem dessa maneira.

Aparentemente, o número de orcas que atacam barcos vem crescendo no Atlântico Norte. Alguns cientistas supõem que uma orca traumatizada por algum incidente com barco ou rede de pesca tenha iniciado após um “momento de agonia” o ataque aos barcos e que o comportamento agressivo está se propagando entre a população desses mamíferos marinhos por meio da aprendizagem social —os mais velhos estariam “ensinando” os jovens.

Veleiro afundado em decorrência de ataque de orcas. Foto: Busca e Salvamento Marítimo de Viana do Castelo, Portugal

Disputa com pescadores

Não é incomum ver orcas nas águas da Península Ibérica. Elas perseguem sua presa favorita, o atum-rabilho, que migra ao longo das costas portuguesa e espanhola e do Estreito de Gibraltar para se reproduzir nas águas quentes do Mediterrâneo. E parece que o problema está se alastrando, já que houve ataques, também, na costa do Marrocos.

As orcas competem com pescadores de atum no Estreito de Gibraltar. Segundo alguns especialistas, a redução do peixe pode ter a ver com o novo comportamento desses mamíferos. Contudo, ninguém ainda conseguiu provar ou sequer estabelecer uma hipótese mais aceitável para o que está acontecendo. “Só podemos especular sobre o comportamento alarmante das orcas que atacam os barcos à vela. Pode estar relacionado ao estresse, uma vez que esta pequena população em perigo crítico luta para se ajustar à sobrepesca de sua presa preferida”, declarou recentemente um especialista para a BBC inglesa.

Relatos de ataques

O caso mais conhecido no Estreito de Gilbraltar foi o ataque de três orcas, que afundaram um veleiro alemão na noite de 4 de maio de 2021, ao largo da costa espanhola. "Havia duas orcas menores e uma maior”, contou o capitão Werner Schaufelberger à publicação alemã Yacht. “As menores batiam no leme, vindas pela popa, enquanto a maior recuava repetidamente e abalroava o barco com toda a força pela parte lateral”. Schaufelberger contou que pouco depois as orcas menores imitaram a maior e, também elas, bateram no casco. A guarda costeira espanhola resgatou a tripulação e rebocou o barco, mas o veleiro afundou antes da entrada do porto.

Dois dias antes, um grupo de seis orcas atacara outro veleiro na mesma região. Greg Blackburn, tripulante da embarcação, observou uma orca que parecia ensinar sua cria a bater no leme. “Era, definitivamente, alguma forma de ensino”, afirmou Blackburn à revista australiana 9news.

Na costa portuguesa também são comuns os ataques: “Foi apavorante”, recorda o capitão David Smith sobre o ocorrido em uma noite de outubro de 2021, na altura da cidade do Porto e a pelo menos três horas da costa, quando seu barco de 45 pés (13,7 metros) foi abordado pelo que a princípio pareciam ser golfinhos. Os tripulantes perceberam tratar-se de orcas quando os “golfinhos” se aproximaram. Por cerca de duas horas, bateram no fundo do casco. “Não davam trégua”, recorda Smith. “Acho que eram seis ou sete animais. Eles se dirigiam para o leme, e vi o timão girar muito rápido toda vez que havia um impacto”. Por telefone via satélite, Smith contatou a guarda costeira, que os aconselhou a desligar o motor e retirar as velas. “Sejam o mais desinteressantes possível”, ouviu o capitão. Mas de nada adiantou. “Ficamos à deriva, com o leme quebrado. As batidas repetidas começaram a avariar o barco. David pensou em pedir um helicóptero de resgate para a guarda costeira, pois o barco começou a fazer água. Felizmente, precisou apenas de reboque até a cidade do Porto.

Em busca de resposta

“As orcas estão a fazer isto de propósito, não sabemos a origem ou a motivação, mas o comportamento defensivo baseado no trauma, como origem de tudo isto, ganha mais força para nós todos os dias”, diz Alfredo López Fernandez, biólogo da Universidade de Aveiro (Portugal) e representante do Grupo de Trabalho Orca Atlântica.

Já para Deborah Giles, pesquisadora de orcas na Universidade de Washington (EUA) e na ONG Wild Orca, o comportamento incomum pode também ser uma brincadeira ou o que os pesquisadores chamam uma ‘moda’, um comportamento iniciado por um ou dois indivíduos e temporariamente adotado por outros. “As orcas são animais incrivelmente curiosos e brincalhões e, assim, isto pode ser mais uma brincadeira do que agressividade”, pondera Giles.

Enquanto não se encontra a explicação nem a solução para o problema dos ataques de orcas a embarcações, a preocupação aumenta tanto entre navegadores quanto entre conservacionistas, já que as orcas ibéricas constam das espécies criticamente ameaçadas na Lista Vermelha da IUCN (União Internacional Para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais), e alguns comandantes já falam em levar armas a bordo.

Instruções do Grupo de Trabalho Orcas Atlânticas para um eventual encontro com orcas no oceano

Roberto Negraes