Navegação autônoma

Por fora, o Mayflower 400 é um trimarã convencional. A grande e decisiva diferença está na tecnologia embarcada. Imagens: Divulgação

O Mayflower

do Século XXI

Por Roberto Negraes

Um embate entre os velhos tempos e os novos tempos da navegação marítima

Seguindo a rota histórica do Mayflower, o navio pioneiro na história da colonização dos EUA (leia no quadro abaixo), uma nova embarcação não tripulada e de impressionante tecnologia, sob comando do “Capitão IA” (Inteligência Artificial), está navegando desde 27 de abril passado numa inédita travessia do Atlântico.

Participante assíduo de regatas virtuais, tive uma surpresa há alguns dias, quando a empresa VirtualRegatta (responsável pela criação da interface das simulações virtuais de regatas reais), ofereceu uma competição de travessia do Atlântico com réplicas do navio Mayflower. A curiosidade é que a regata seria promovida por uma das maiores empresas de Inteligência artificial do mundo, a IBM.

Ora, o que tem a IBM a ver com veleiros históricos? Pesquisando, encontrei a resposta surpreendente, e para mim desconhecida: uma empresa de pesquisas marítimas, a americana ProMare, desenvolveu com o apoio da IBM uma embarcação totalmente automática, sem participação humana, navegando sob o comando de um "capitão" de inteligência artificial! A regata IBM Mayflower, como foi batizada, teve a largada ao mesmo tempo em que o pequeno navio Mayflower Autonomous Ship (MAS), mais conhecido como MAS400 (o número é alusão aos 400 anos do Mayflower), partia de Plymouth (Inglaterra) com destino a Plymouth (EUA) para marcar provavelmente uma nova época na navegação marítima.

Como surgiu a ideia do MAS400

Em 2016, o cofundador da ProMare, Brett Phaneuf, participou de uma reunião para discutir como comemorar o 400º aniversário da viagem de 1620 do Mayflower. Construtor de submarinos especialista em robótica e sistemas subaquáticos, Phaneuf não apoiou a construção de outra réplica (o que já ocorrera em 1957, então para os 350 anos do Mayflower). Em vez disso, ele sugeriu fazer algo ousado, corajoso e novo: construir um Mayflower radical em tecnologia para o século 21.

O projeto MAS foi idealizado para ampliar o conhecimento do oceano e proteger seus ecossistemas, navegando sem qualquer humano a bordo, usando o poder da inteligência artificial e da automação para atravessar os mares. Esta embarcação futurista aproveita a energia do sol e, após a viagem inaugural comemorativa dos 400 anos do Mayflower original (que está acontecendo agora), estará em uma missão global de descobertas científicas, coletando dados no sentido de ajudar a proteger o futuro das águas do planeta.

O MAS400 visará à exploração marítima de superfície e de profundidade (arqueologia, naufrágios e pesquisas em grandes profundidades oceânicas) em parceria com outras empresas e, em conjunto com a IBM, utilizando uma combinação de tecnologias para detectar outras embarcações e condições oceânicas “de maneira semelhante”, segundo a IBM, “ao modo como uma empresa percebe e obtém informações sobre condições e transações em negócios”.

Coleta de Dados

O MAS400 trabalhará com pesquisas organizadas por oceanógrafos, oferecendo uma opção flexível, econômica e segura para a coleta de dados, podendo passar longos períodos no mar, carregando equipamentos científicos e tomando suas próprias decisões sobre como otimizar sua rota e trabalho. O objetivo é estabelecer o Mayflower moderno como uma plataforma aberta para pesquisas marinhas que possa reduzir custos e facilitar o trabalho de cientistas e marinheiros, que enfrentam um perigoso e imprevisível ambiente nas suas missões de coleta de dados. Algumas tarefas que serão conduzidas pelo Mayflower no futuro incluem medir temperaturas, coletar amostras de água para testar microplásticos e identificar a acústica das baleias.

Para a IBM, que investiu substancialmente no projeto, a parte importante é mostrar a sua capacidade tecnológica em inteligência artificial para automatizar decisões críticas na condução de “navios” (entenda-se “navios” como empresas de qualquer negócio), com um “capitão” de IA.

As soluções tecnológicas do MAS400

O MAS leva um radar que pode detectar perigos até 2,5 milhas (4,63 km) à frente. Combinadas com esse radar, câmeras a bordo fornecem entrada visual para um sistema computacional que identifica perigos como navios de carga, embarcações de pesca e até contêineres parcialmente submersos, e, acessando o AIS (Sistema de Identificação Automática) pela internet, o MAS recebe informações específicas sobre a classe dos outros navio, peso, velocidade, carga etc..

O GPS fornece a localização do MAS, direção, velocidade, curso e o servidor de cartas náuticas da embarcação mantém atualizadas informações sobre a rota escolhida de acordo com dados meteorológicos fornecidos pela The Weather Company.

Sensores de altitude avaliam o estado do mar local (como o MAS se inclina e rola devido às ondas) e um profundímetro mede a profundidade da água.

Finalmente, um sistema de gerenciamento de veículos fornece dados operacionais, como nível de carga da bateria, consumo de energia, comunicações etc..

Essa confluência de tecnologias habilitou o MAS para sua primeira travessia oceânica, em seu teste definitivo de funcionalidade. O moderno Mayflower navega em velocidade de cruzeiro a uma média de 8 nós (14,8 km/h), podendo atingir até 16 nós, é completamente desguarnecido e, como uma entidade 100% autônoma, toda a capacidade de decisão da embarcação depende dela mesma.

Com a regata virtual promovida pela IBM, estou acompanhando pela própria interface do game a jornada marítima do MAS400. Você pode seguir a viagem pelo tracker nesta página: https://mas400.com/dashboard#currentLocation

O Mayflower IBM na regata da VirtualRegatta

 O Mayflower original

Mayflower II, a réplica do veleiro que levou os colonos peregrinos para Plymouth, nos EUA, em 1620. Foto: Plimoth Patuxet Museums

Na história dos Estados Unidos, o navio que transportou os peregrinos (religiosos puritanos perseguidos pela monarquia absolutista anglicana) da Inglaterra para Plymouth, Massachusetts, onde foi estabelecida a primeira colônia permanente da Nova Inglaterra em 1620, foi o Mayflower. Embora não exista uma descrição detalhada do navio original, arqueólogos marinhos estimam que o navio media 90 pés (27 metros) de comprimento.

Com 102 colonos a bordo, o Mayflower partiu em 16 de setembro de 1620, capitaneado por Myles Standish. Depois de uma viagem de 66 dias, o navio pioneiro chegou em 21 de novembro em Cap Cod (Massachusetts). Em 1957, a viagem histórica do Mayflower foi comemorada quando uma réplica do navio original foi construída na Inglaterra e navegou para Massachusetts em 53 dias.

O robozinho Artie

Com a aparência de um polvo, o robozinho Artie aderiu ao projeto Mayflower Autonomous Ship como um mascote que estaria a bordo da MAS400 (ao menos simbolicamente). Voltado para educação infantil, o polvinho será comercializado para crianças aprenderem e se atualizarem sobre a ecologia dos oceanos.

No site do projeto, Artie se autodefine: "Estou apenas pegando uma carona. Encontrei a embarcação flutuando sem humanos nela. Estou gostando tanto de aprender sobre o oceano, acho que vou fazer do MAS minha nova casa. Depois de cruzarmos o Atlântico, estarei com pincéis de pintura para mergulhá-los em minha tinta e registrarei todas as coisas que aprendo sobre o oceano. Eu poderia usá-los para desenhar um mapa do lixo oceânico, um gráfico mostrando as mudanças na acidez do oceano e talvez até criar uma pintura artística de... mim, Artie, o polvo! Espero que o Capitão IA não me traia e jogue pela borda para alimentar gaivotas! Que bom que não há humanos a bordo para me expulsarem!”